sábado, 18 de dezembro de 2010

Peter Hunt: 'Um bom livro infantil é feito de respeito'




Autora: Simone Intrator.

Fonte: O Globo. Data: 12/12/2010.

URL: > http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/10/21/peter-hunt-um-bom-livro-infantil-feito-de-respeito-334171.asp

Moral da história: livro para criança não tem que ter final feliz. > Precisa, sim, estar cheio de fantasia, ser inovador, diferente, > instigante, subversivo. Quem lista os segredos da boa narrativa é um dos maiores estudiosos mundiais da literatura infantil, o inglês Peter Hunt, fundador e professor da cadeira na Cardiff University, na Grã-Bretanha. Pai de quatro filhas, todas ótimas leitoras, Hunt diz que livro infantil não pode ser igual à comida fast-food, "que satisfaz de imediato mas está longe de ser a opção mais saudável".

No Brasil para fazer uma palestra no auditório American Express da PUC-Rio, durante o seminário Crítica, Teoria e Literatura Infantil no Brasil e no Mundo, em outubro, Hunt aproveitou para logo depois autografar "Crítica, teoria e literatura infantil" (Ed. Cosac Naify). O livro, lançado em 1991, "numa época em que se lutava arduamente para provar a importância de publicações para crianças", focava nesta primeira edição na academia. Agora, revisado, atualizado e ampliado, chega com o objetivo de atingir um público maior e bem mais eclético. Nesta versão há um novo capítulo - sobre livros para crianças e mídias sociais -, um apêndice - em que o autor refina a definição de literatura infantil a partir de opiniões suas que mudaram ao longo destes 20 anos - e várias atualizações, com exemplos mais universais, e não tão britânicos, dos livros citados. Nesta obra, Hunt, que respondeu às perguntas do GLOBO por e-mail antes de pegar o avião para cá, sai em defesa de um maior apuro e mais conhecimento sobre a teoria e a crítica de publicações para crianças. E dá um conselho a todos que querem formar bons leitores: "Um bom livro infantil é um livro que faz todos, adultos e crianças, pensarem. Mas o mais importante é que as crianças estejam sempre em contato com as obras. Quanto mais livros as crianças lerem, maior será a capacidade delas de escolha e de comparação".

O senhor acha que os livros infantis têm características muito peculiares que os distinguem de qualquer outro tipo de literatura que é feito? O que o senhor acha de moral da história, do politicamente correto, da mensagem que se tenta passar para a criança?

É perigoso generalizar sobre "livros para crianças" - provavelmente nunca generalizaríamos sobre (todos) os livros para adultos. Mas uma característica que todos os livros infantis compartilham é a ideia da "criança" ou da "infância". Essa pode ser a ideia do editor sobre o que é ser criança, da cultura de uma sociedade, ou a ideia do autor sobre uma criança real, talvez um ideal da infância, uma memória de criança ou uma memória de quando se foi criança (é bem complexo!). Seja lá o que for essa ideia, isso vai interferir em como será o livro. Alguns autores vão defender que crianças precisam de leveza, novidade e trabalhos experimentais; outros vão achar que crianças são 'simples' e então precisam de livros 'simples'; alguns autores acham que crianças precisam de desafios; há os que pensam que crianças vão precisar ter livros para se acostumarem a eles - para ser como qualquer outra pessoa. Sobre a "moral da história", é verdade: muitos livros infantis têm mesmo uma moral positiva ou um final feliz; e são politicamente corretos, porque seus autores sabem que estão (na maioria das vezes) escrevendo para um leitor menos experiente. Por isso acham que têm a responsabilidade de mostrar um bom comportamento ou uma mensagem boa. O problema que isso acarreta, claro, é que vai depender do que o autor vai acreditar como sendo politicamente correto.

Livros infantis precisam ser didáticos?

Porque há um desequilíbrio de poder nos livros infantis - em que o adulto autor está numa posição em que pode, efetivamente, influenciar o leitor -, é inevitável que autores adultos tentem expressar algum ponto de vista, queiram passar alguma mensagem. (TODOS os livros e TODOS os livros infantis têm alguma posição ideológica). No século passado, qualquer didatismo, ensinamento, posicionamento, tendia a ser disfarçado.

O que caracteriza um bom livro infantil?

Assim como qualquer outro livro, o que vai ser 'bom' vai depender do que você (ou sua cultura) define como 'bom'. Um bom livro, para mim, é desafiador, inovador, diferente (E isso é fácil quando o seu público não é tão experiente). Mas, independentemente de qualquer outra coisa (conteúdo, linguagem etc.), eu acho que um bom livro infantil é feito de respeito: há sempre um abismo entre a experiência do adulto autor e a do leitor criança. Então um bom livro infantil tem que negociar com esta lacuna, e isso só pode ser feito com o respeito, que vai partir do adulto. Um bom livro infantil é um livro que faz todos, adultos e crianças, pensarem. É claro que às vezes não é isso que você quer de um livro - um bom livro para ler no aeroporto ou tarde da noite pode ser apenas para distrair e não para fazer você pensar. E este é novamente o risco das generalizações.

Como o senhor escolhia os livros que suas filhas liam na infância?

Quando minhas filhas eram bem pequenas, os livros eram escolhidos de três maneiras. A primeira: eram livros que nós, como pais, amávamos e lembrávamos desde a nossa infância. A segunda: tentávamos acertar o livro de acordo com cada criança (que penso, e espero, conhecer), visando aos seus interesses e às suas características. Então costumávamos comprar livro que imaginávamos que elas iriam gostar ou livros que as ajudariam a entender o que precisam entender. Erramos muitas vezes - por isso tenho dúvidas de se é verdadeira a ideia de que se você gosta de um livro seus filhos necessariamente gostarão. A melhor lição é que as crianças só gostarão de alguma coisa se a elas for oferecida! E a terceira: deixávamos que elas escolhessem livros sozinhas. Uma vez ou outra, mas raramente, sugeríamos que um livro específico estava além da compreensão delas ou o conteúdo não as interessaria. Mas nunca - como muitas pessoas fazem - interrompemos a leitura das crianças porque não concordávamos com o ponto de vista expressado no livro (embora isso não seja realmente um problema até a adolescência) ou porque apresentava valores com os quais não compactuávamos. O resultado disso é que muitos dos livros preferidos de nossas filhas eram livros que nós achávamos triviais, ou que mostravam claramente que o autor não havia se empenhado bastante, ou que as ilustrações representavam o que achávamos que era o 'pior' de uma publicação comercial. Não acho que isso as tenha prejudicado - porque eram tantos e tantos livros. A mensagem aqui, eu acho, é que, se os pais compartilharem com os filhos seus valores culturais, a escolha dos livros infantis será autorregulada. E mais: quanto mais livros as crianças lerem, maior será a capacidade delas de escolha e de comparação. (Também não tínhamos em casa uma sala de televisão, o que aumentava o tempo dedicado à leitura).

Os livros que o senhor escolheu para sua primeira filha são diferentes dos livros que o senhor escolheu para sua quarta filha? Seu maior conhecimento sobre teoria da literatura infantil fez com que mudasse de opinião sobre os livros?

Não, não acho que houve uma diferença no tipo de livro. A maior diferença foi o número de livros: os livros que as minhas primeiras três filhas leram ainda pertenciam à nossa casa, e elas foram passando livros de uma para a outra. Então a quarta filha tinha uma quantidade muito maior (A caçula é sempre a mais esperta, porque as mais velhas cuidam de sua educação).

Que conselhos o senhor daria aos pais que querem acertar na escolha de livros para seus filhos? O que priorizar nesta seleção?

Este é um conselho fácil de dar e nem tão simples de ser seguido: PENSANDO!!!! Trate desta questão de escolher livros com seriedade. Se for seguir o conselho de outras pessoas (críticos, por exemplo), gaste um tempo avaliando se concorda ou não com a maneira como pensam. Esta não é uma ciência exata, e as pessoas muitas vezes se colocam como autoridades, quando todos, na verdade, têm suas próprias opiniões. Ainda assim, se tiverem experiência com crianças, as pessoas não serão todas as crianças, ou não será a sua criança. Acima de tudo, olhe com atenção, pense bastante e decida o que você quer para o seu filho.

As livrarias brasileiras estão abarrotadas de livros infantis. Este é um mercado rentável? O que move tantos e tantos lançamentos?

O mercado de livro infantil é um dos mais rentáveis, sim, na Europa e em todos os países de língua inglesa, apesar do fato de os romances para as crianças venderem menos exemplares do que os para adulto. Isso ocorre porque normalmente se paga menos a autores infantis, porque o foco de marketing no público infantil é mais disperso (procura-se vender para todas as crianças e para uma faixa etária específica) e porque há dois compradores de livros infantis, os adultos e as crianças. Há duas razões para esta imensa quantidade de lançamentos. A primeira é porque, no mercado editorial de língua inglesa, há cinco ou seis editoras dominantes que competem entre elas em todos os gêneros - e por isso todas as listas de lançamentos se parecem muito. A segunda é financeira: as editoras infantis não mantêm uma lista grande de livros já lançados no estoque. As vendas e o lucro são medidos ano a ano e é preciso ter sempre lançamentos, que vão gerar lucro imediato e depois serão preteridos pelos livros novos.

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