Arquivistas e bibliotecários aderem às novas tecnologias e renovam a profissão
Foi-se o tempo em que o arquivista era aquele profissional mergulhado
em documentos empoeirados e que o bibliotecário era a senhora pedindo
silêncio dentro da biblioteca. Quem acha que essas duas profissões estão
em vias de desaparecer por conta da era digital, engana-se. Elas
passaram por reformulações, com o advento das novas tecnologias, e estão
superatualizadas. Ainda, geram boas oportunidades de emprego,
principalmente em concursos públicos, que chegam a pagar mais de R$ 6
mil para ambos os cargos. Já na iniciativa privada, o salário médio fica
aquém desse patamar, na faixa dos R$ 1,6 mil.
A bibliotecária e arquivista Isabela Siebra Alencar observa que as
vagas para esses ramos estão concentradas em empresas de grande porte,
como as universidades. “A diferença do serviço público para a iniciativa
privada é que o primeiro já sabe do valor desses profissionais, já a
segunda desperta aos poucos para a sua necessidade”, diz ela, que é
assessora do Sindicato dos Bibliotecários do Rio de Janeiro.
Enquanto isso não acontece, as poucas empresas do ramo faturam alto.
De acordo com a Associação Brasileira de Gestão de Documentos, em 2011,
70 organizações dedicadas a guardar documentos de outras companhias
dividiram um faturamento de R$ 1,2 bilhão no país, 20% mais que em 2010.
O grupo mantém 40 milhões de caixas de papelão de padrão arquivo
lotadas de informações de diversos setores, como financeiro, hospitalar e
jurídico.
A coordenadora do curso de Arquivologia da Ufrgs, Maria do Rocio
Teixeira, diz que os cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia estão
vivendo um momento de redescoberta. “São profissões que gerenciam
documentos e muitos municípios estão precisando deles, principalmente no
interior do país”, revela a professora. No RS, além da Ufrgs, essas
graduações são oferecidas na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e
na UFSM (nesse caso, só tem Arquivologia).
A procura pelos cursos é baixa. No vestibular da Ufrgs de 2012, foram
3,57 candidatos por vaga na Arquivologia. Já na Biblioteconomia, foi
menor ainda: 2,44 candidatos/vaga. No geral, os estudantes são
recrutados quando ainda estão no meio do curso para estágio e, na
maioria dos casos, efetivados ao término do contrato.
“Existe a procura por estagiários, mas não conseguimos dar conta de
preencher as vagas. As instituições demandam pelos arquivistas e também
aumentaram as suas remunerações, até para os estágios. Para o bacharel
recém-formado, da mesma forma, temos cada vez mais oportunidades”,
completa o coordenador do curso de Arquivologia da UFSM, Daniel Flores.
Além das bibliotecas
O bibliotecário tem hoje uma gama de possibilidades que vai além das unidades de informação, tornando-se requisitado no mercado
A
arquivista Flávia diz que a profissão traz sempre novidades e
revelações guardadas ao longo dos anos (Foto: Tarsila Pereira/CP)
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No mercado de trabalho, a informação pode ser a arma do negócio.
Nesse sentido, o aumento da competitividade fez com que o bibliotecário
saísse das unidades de informação e de trás das mesas das bibliotecas e
estendessem a sua área de atuação. “Empresas das mais diversas áreas o
requisitam para buscar, reunir, organizar e facilitar o acesso à
informação”, afirma Angélica Conceição Dias Miranda, presidente do
Conselho Regional de Biblioteconomia da 10 Região (CRB 10) e
coordenadora do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio
Grande (Furg).
Para quem atua na área, outra vantagem é a falta de concorrência. No
CRB 10, por exemplo, são apenas 1,2 mil profissionais associados. Com os
horizontes ampliados, muitos bibliotecários estão sendo contratados
para organizarem tratados, estudos, documentos digitalizados. “Muitos
escritórios de advocacia contratam esses profissionais para organizarem a
jurisprudência. Ou mesmo hospitais e instituições de ensino médico, que
reúnem grande acervo de especialidades e procedimentos, contratam os
bibliotecários para pôr essa documentação em ordem”, afirma a professora
Samile Vanz, coordenadora do curso de Biblioteconomia da Ufrgs.
O advento das mídias digitais contribuiu para a transformação do
trabalho do bibliotecário. “Profissionais de qualquer área precisam ter
conhecimentos de informática e de mídias em geral, não sendo diferente
na área de Arquivo e Biblioteconomia. É cada vez mais frequente o uso
das modernas Tecnologia da Informação e Comunicação no tratamento,
guarda, recuperação da informação”, destaca o professor de Arquivologia,
Marcelo Marques.
A lei 4.084/62, que reconhece o bibliotecário como profissional,
completou 50 anos em março. O primeiro curso de Biblioteconomia no país
surgiu em 1911, com a criação da Biblioteca Nacional.
Nenhum dia igual
A rotina não é a mesma. E a cada dia surge uma novidade. Pelo menos é
o que garante a arquivista Flávia Conrado, de 29 anos. Natural de Cruz
Alta, Flávia se formou na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
passou em concurso público e hoje trabalha na Ufrgs, onde é diretora da
Divisão de Documentação da instituição. “Sempre gostei de organização.
Queria fazer Biblioteconomia, mas a UFSM não tinha o curso. Fui para a
Arquivologia e me apaixonei pela profissão. Quem imagina que seja
estática, sem alternativas e enfadonha, se engana. Aqui, um dia não é
igual ao outro. Sempre surgem novidades e coisas interessantes”, garante
ela.
A arquivista conta que a maior parte da documentação é guardada em
ambiente higienizado. Mas que as pilhas de papel e a poeira ainda fazem
parte do cotidiano. “Quando isso acontece, usamos jaleco, máscara e
luvas, os equipamentos de proteção individual”, esclarece Flávia.
Na Ufrgs, os documentos vão para o Arquivo Geral. E as pesquisas a
essas informações são sempre reveladoras. “Apesar de administrativa,
nossa documentação tem o aspecto cultural do patrimônio, pois guarda a
vida escolar de grandes nomes do RS, como ex-alunos do quilate de Leonel
Brizola, Paixão Côrtes, Mário Totta, Frederico Westphalen, entre
outros”, relata Flávia.
Caminhos do conhecimento
A Internet ajuda Michelângelo a aprimorar o seu trabalho (Foto: Mauro Schaefer/CP)
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Para atuar com os livros, o bacharel em Biblioteconomia Michelângelo
Viana, 37 anos, foi além dessa graduação. Coordenador de Sistemas da
Biblioteca Central Irmão José Otão, da PUCRS, ele também tem formação em
Análise de Sistemas e em Administração e ainda tem inglês fluente.
“Sempre tive a preocupação em ter um nicho específico de trabalho, por
isso busquei desenvolver conhecimentos de informática. Hoje, sou
responsável pela integração da base de dados da biblioteca”, relata.
A
Biblioteca Central Irmão José Otão é considerada uma das unidades
com mais recursos tecnológicos do Estado. “Quando entrei aqui, tínhamos
50 computadores em uma sala, Atualmente, são 350 espalhados pelo prédio,
que tem quatorze andares. E, desde 2005, as pessoas podem acessar a
biblioteca pela Internet, fazendo de casa ou do trabalho a renovação do
empréstimo, acessando o acervo digital e fazendo reservas, por exemplo”,
enumera Viana.
A tecnologia é algo que está aparente no trabalho do bibliotecário.
“Estou o tempo todo ligado em tudo o que acontece no que diz respeito às
bibliotecas. Participo de simpósios e de encontros internacionais mundo
afora para me manter atualizado. Procuro na Internet assuntos
relacionados e vejo como podemos aplicar aqui essas novidades”, diz.
Para aumentar a riqueza de material disponível na biblioteca, Viana
divulga um dos novos empreendimentos. “Estamos desenvolvendo um projeto
que reúne todas as publicações dos professores da PUCRS, o que chamamos
de Repositório Institucional. E também assinamos várias revistas e
livros digitais”, comenta.
Sobre a profissão, Viana diz que faz falta a
existência de um sindicato para a categoria. “Isso é uma coisa que
precisa acontecer ainda. Mas o bibliotecário tem que ter na mente que a
nossa principal função é
fornecer os caminhos para que as pessoas possam
acessar o conhecimento”, completa.
Reportagem: Nildo Jr – nildo@correiodopovo.com.br
Edição: Janine Souza – janinesouza@correiodopovo.com.br