terça-feira, 27 de março de 2012

Bibliotecas são mais procuradas pelos filmes do que pelos livros





Fonte: O Mirante (Portugal). Data: 22/03/2012.

URL: http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=540&id=82190&idSeccao=9025&Action=noticia

As estatísticas dizem que se lê pouco em Portugal. O concelho de Benavente é excepção?

Não acho que se leia pouco. Nos últimos tempos temos tido mais procura nas bibliotecas, não sei se será por causa da crise. Temos muitos leitores dos periódicos que até nos dizem que gostariam de ter mais coisas disponíveis. Se tivéssemos mais jornais, teríamos certamente mais leitores.

O orçamento municipal para a compra de livros, jornais e outros materiais para as bibliotecas diminuiu. Chegam ofertas das editoras ou de outras instituições regularmente às bibliotecas?

O ano passado recebemos uma colecção belíssima do Manuel Cintra Ferreira que já está disponível. Há uns dias, um jovem veio doar uns filmes porque disse que não os ia ver mais vezes. Vamos tendo assim algumas doações pontuais. Depois recebemos as edições próprias que algumas câmaras vão realizando.

As bibliotecas estão abertas no horário normal de quem trabalha. Deve ser difícil ter leitores que não sejam estudantes ou reformados.

É verdade que temos muitos estudantes e reformados. Mas também temos muitas visitas de pessoas entre os 35 e 50 anos que vêm à hora do almoço. São leitores que trabalham por perto ou na própria câmara. Muitos até começam a ver um filme que depois ficar reservado para continuarem a ver no dia seguinte.

As mediatecas que começaram a surgir como complemento das bibliotecas ficaram rapidamente ultrapassadas com a vulgarização da internet e da televisão por cabo. Isso não está a acontecer por aqui?

Os filmes têm aqui um empréstimo brutal, talvez mais do que os livros. Temos casais que quando chega a sexta-feira vêm buscar filmes para o fim-de-semana com regularidade. Ou avós com os netos. Os filmes têm proporcionado uma boa dinâmica às bibliotecas.

Qual o peso da literatura infantil e juvenil no conjunto dos livros disponibilizados nas vossas bibliotecas?

Temos mais infantil do que juvenil. No ano passado tivemos uma procura imensa de “Os Lusíadas de Luís de Camões contados às crianças”, de João de Barros. Estava esgotado nas livrarias e os nossos sete exemplares andavam sempre em circulação. Optámos recentemente por separar a área do juvenil e colocá-la numa sala independente, onde também está um computador e uma mesa para os trabalhos de grupo.

Como é que conseguem manter o silêncio na biblioteca com os trabalhos de grupo?

Tentamos desmistificar essa ideia do silêncio. Se as pessoas falarem normalmente, não vão perturbar ninguém. É claro que não aceitamos gritos, mas é preciso encontrar um equilíbrio para que também haja vida nas bibliotecas.

Quem é que aprova as compras de livros para a biblioteca? Qual a política de escolha?

Um dos princípios é sempre a aquisição de livros de conhecimento, em áreas onde temos mais lacunas, mas na grande maioria das vezes esses não são os livros mais procurados. As sugestões dos nossos leitores recaem sempre na área da ficção. Tentamos sempre que possível satisfazer as necessidades dos leitores. No infantil vamos comprando os livros que precisamos para as nossas actividades. Eu apresento geralmente a lista de livros a comprar à autarquia, que não coloca entraves.

Que livros é que têm pedido mais?

Depende das modas. Tivemos a fase do Paulo Coelho e a da Nora Roberts que ainda continua a ser muito pedida. Quando saiu a série dos vampiros Twilight, da Stephenie Meyer, tínhamos uma longa reserva dos livros. Eles entravam na biblioteca e nem tínhamos tempo de os guardar nas estantes.

A biblioteca tem todos os livros da autoria de José Saramago? E do António Lobo Antunes?

Não, não temos todos porque não têm sido muito procurados. Herdámos todo o catálogo excelente da Gulbenkian e a partir daqui vamos adquirindo consoante as nossas possibilidades e necessidades. Não podíamos ter dez pessoas a pedirem-nos um livro e nós comprarmos um Saramago que ninguém pediu. O que queremos é que as pessoas venham.

Não tentam também ajudar a diversificar os gostos, dando novas sugestões?

De vez em quando lá sugerimos alguns livros, mas regra geral os nossos leitores quando vêm à biblioteca sabem muito bem o que querem.

A biblioteca não disponibiliza online uma lista dos livros nem sequer tem um site. É possível a um leitor telefonar a perguntar se está disponível determinado livro?

Sim, pode ligar e nós até o reservamos. Temos também um blog onde vamos colocando as nossas actividades e novidades.

Na era das redes sociais, como é que ainda não têm página no Facebook?

Não temos Facebook porque durante o serviço não temos acesso a esta rede. Não faz sentido criar algo que depois não posso actualizar durante o meu horário de trabalho.

É possível trazer o computador portátil para trabalhar na biblioteca. Há internet wireless acessível?

Só na de Benavente. Em Samora temos o espaço internet no mesmo edifício, mas estamos a tentar resolver o problema porque quem leva o computador portátil está sempre a pedir-nos a internet sem fios.

O escritor Jorge Luís Borges (já falecido) quando foi director da biblioteca de Buenos Aires dizia que ficava feliz quando os funcionários lhe vinham dizer que alguém tinha roubado um livro porque isso significava que era alguém com grande vontade de ler. Ainda há quem roube livros nas bibliotecas?

Estamos agora numa fase de avaliação da colecção e reparamos que falta um ou outro livro, mas nada de alarmante. Nós criamos um “cantinho da leitura” nas escolas do pré-escolar do concelho e todos os anos registamos perdas. Se não tiver nenhuma perda não vale a pena gastar aquele dinheiro porque mostra que ninguém se interessou por eles. É claro que concordo com o Borges, mas é preciso regras senão ficávamos sem livros. Tivemos um senhor que perdeu um livro e trouxe logo três para substituir. Isso para mim é de louvar.

Os “serões na biblioteca” que costumam organizar uma vez por mês não costumam ter mais de meia dúzia de pessoas. Vão continuar a realizá-los?

O que as pessoas querem são pessoas conhecidas. Quando tivemos aqui a apresentação do livro do Manuel Ribeiro, dos UHF, esgotámos os lugares da biblioteca. De resto, costumam vir sempre o mesmo núcleo de pessoas. Não podemos desistir e entregar o ouro ao bandido. Temos de continuar a criar para trazer cada vez mais gente às bibliotecas. Os poucos que vêm merecem sempre o trabalho que realizamos.

Um dia, no futuro, com a difusão do ebook, as bibliotecas públicas vão desaparecer como já desapareceram os clubes de vídeo?

Não acho nada agradável estar a ler num ebook, embora lhe reconheça enormes vantagens. Mas não tem o cheiro do papel, nem é possível marcar. Penso que as bibliotecas vão continuar nos mesmos moldes, mas vão passar a acolher novos conteúdos.

Uma leitora apaixonada pelo tema da saúde pública

Sandra Ferreira, de 37 anos, mora em Benavente, terra onde nasceu. Tirou o curso de História na Universidade de Coimbra e durante um ano deu aulas numa vila de Coimbra. A experiência foi tão forte que ainda hoje recorda com saudosismo muitos dos seus alunos. Mal regressou a Benavente acabou por entrar como directora para as bibliotecas municipais do concelho. Sempre gostou de ler e recorda um livro sobre o Titanic que ia consultar vezes sem conta na antiga biblioteca de Benavente. Quando tem tempo livre gosta de ir ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo ou à Biblioteca Nacional pesquisar sobre a área da saúde pública. Gosta de perceber a evolução e as opções políticas que foram sendo tomadas ao longo do tempo. Destaca o “Eurico, o Presbítero”, de Alexandre Herculano como um dos livros da sua vida. Dos autores mais contemporâneas gosta de Umberto Eco.

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