sábado, 24 de julho de 2010

Quem (não) tem medo do Google?




Fonte: Revista Panorama, n. 50.
Data: 20/07/2010.
Gigante insaciável, o Google cresceu em ritmo alucinante nestes 11 anos de web. Nasceu como site de busca, e em dois anos atingiu 1 bilhão de páginas indexadas. Globalizou-se no ano seguinte, para depois implantar sua ferramenta de compras (Frogle). Em 2003, incorporou o Pyra Labs, inventor do serviço Blogger. Em 2004, introduziu o GMail. No ano seguinte, inventou o GoogleMaps. Pagou US$ 1,65 bilhão pelo YouTube, em 2006. Criou a fotografia ao nível da rua com o StreetView, em 2007. Ano passado, saiu com o primeiro aplicativo para iPhone e lançou o Knol, sua versão de Wikipedia.
O Google vive na berlinda, é certo, mas a maior de todas elas está mexendo com sua imagem. Não se fala em outro assunto no meio. Na recente Feira de Frankfurt, o Google dominou as conversas, mais até do que o leitor eletrônico Kindle, da Amazon, ao anunciar que irá vender livros, sim, a partir do ano que vem.
Uma mudança e tanto, para a empresa que, há cinco anos, iniciou a aventura de digitalizar todos os livros do mundo, para, segundo sustentou à época, democratizar o acesso ao conhecimento. A retórica dobrou universidades respeitáveis como Harvard, Michigan e Stanford, e bibliotecas de prestígio como a do Congresso, em Washington, e a Public Library, de Nova York. Seus respectivos acervos digitais estão no Google Books.
Contudo, desde o começo, o Google também recebeu contestações de todas as partes do mundo. Duas entidades locais, a Authors Guild e a Association of American Publishers, deram a partida. Autores e editoras não admitiam o que entendiam ser uma apropriação de direitos pelo Google e foram à Corte Federal de Nova York.
Ano passado, as partes se entenderam. O Google ofereceu US$ 125 milhões, a título de “eventuais ofensas de direitos (autorais, sobretudo), instalou um fundo que chamou de ‘Book Rights Registry’, pelo qual os autores teriam participação em publicidade on line. Acordo aceito e firmado em outubro, mas o processo, iniciado em 2005, seguiu tramitando.
Meses depois, novos protagonistas entraram em cena, transformando a briga, que era de cachorro grande, em confronto de titãs. Uniram-se Microsoft, Yahoo e Amazon (dona do leitor eletrônico Kindle), para acusar o adversário de violar leis de defesa da concorrência. Criaram a Open Book Alliance, para demonstrar absoluta rejeição às ações do Google. A base do arrazoado é esta: novas tecnologias, que chegam prometendo benefícios incontáveis, ofuscam o distanciamento da Justiça que, desse modo, não conseguiria acomodar os muitos interesses públicos em jogo. E pleiteou a proibição pura e simples.
Em março passado, um importante órgão do Governo, a Federal Trade Commission (FTC), advertiu o Google, por carta, sobre garantias à privacidade do Google Books, ‘limitando os usos secundários de dados colhidos, incluindo usos que poderiam ser contrários a expectativas razoáveis dos consumidores’. O presidente da FTC, Jon Leibowitz, garantiu que seguirá pressionando de todas as formas. “A iniciativa desperta sérios desafios quanto à privacidade, em razão do vasto volume de informações que seriam recolhidas”, explicou.
Em setembro, foi a vez do Departamento de Justiça, com status de ministério, dar seu palpite, pela revisão do acordo. Motivos: ameaça à livre concorrência e possibilidade de controlar preços.
Duas associações da mesma categoria – Associação de Bibliotecas da América e Associação de Bibliotecas de Pesquisa – reivindicaram a intervenção dos órgãos federais que investigam práticas de truste. Enxergam inclusive ameaça de monopólio. “O Google, que já digitalizou milhões de obras, terá capacidade ilimitada para definir preços. Se o serviço se tornar uma necessidade para as bibliotecas, estas enfrentarão o monopólio indesejável”, disseram as entidades em comunicado.
Outro petardo foi disparado do outro lado do mar. Exatamente da Comunidade Europeia, que passou a investigar, a pedido do governo da Alemanha, o impacto do Google Book Search. O pleito germânico sustenta ser “irreconciliável com os princípios da legislação europeia sobre copyright”. Debruça-se, longamente, sobre os prejuízos que a digitalização, feita por um grupo, teria sobre a diversidade cultural da União Europeia e na concentração da propriedade intelectual dos meios de comunicação.
A essa altura, o governo francês lançou o projeto de uma ‘Europeana’, espécie de biblioteca virtual do Velho Continente.
A direção do Google ensaiou um gesto diplomático. Reuniu-se com representantes da Comunidade Europeia e comprometeu-se a retirar, do estoque, todos os títulos que ainda estejam expostos. Mais: que seus advogados irão negociar diretamente com os editores locais e autores formas de acordo para que os 3 milhões de títulos – foi a estimativa preliminar – voltem à vitrine virtual.
A Justiça francesa, em setembro, abriu processo contra a Google France (e, por extensão, a Google Inc.), no tribunal de grande instância de Paris. A queixa-crime, por ‘falsificação’, foi apresentada pelo grupo editorial La Martinière. “Não é mais possível suportar a arrogância que faz com que se apropriem de seus livros e os digitalizem sem que você seja consultado”, afirmou Hervé de La Martinière, presidente da empresa, na audiência de abertura.
Outras editoras francesas se dispõem a negociar com o Google, segundo informaram, “desde que sejam asseguradas bases jurídicas sólidas”, um futuro acordo. O ponto central, como sempre, é o direito autoral.
Se, de fato, o Google Book Search retirou os 3 milhões questionados pelos europeus, nem por isso deixa de contar com um acervo fabuloso. Calcula-se que o total até agora digitalizado oscile entre 7 e 10 milhões de obras. Quando iniciou o processo, e as universidades abriram suas bibliotecas, o ritmo foi moroso, não passou de 10 mil volumes copiados. Daí para a frente, no entanto, o ritmo evoluiu de maneira vertiginosa. Da mesma forma, seu Departamento Jurídico trabalha em plantão permanente, inclusive sábados e domingos, diante da iminência de novas querelas. Pelos cálculos feitos pelos especialistas, o Google tem um tesouro fatiado em três terços.
O primeiro inclui obras que caíram em domínio público, sendo de livre utilização. O segundo pertence a autores conhecidos e que têm editores que representam seus interesses. O terceiro, e esse seria o complicador, envolve autores e/ou editores que não foram localizados, mas cujos direitos autorais continuam em vigor.
Pelo acordo celebrado em 2008 com a Authors Guild e a Association of American Publishers, ficou definido que, se o autor não foi encontrado nem se apresentou no prazo estipulado, o qual se esgotou em setembro, o Google nada deve a ele.
O argumento do fato consumado satisfez os envolvidos, mas esse é o ponto nevrálgico dos processos, especialmente o da Corte Federal de Nova York, no qual o Governo dos Estados Unidos tem todo interesse e empenho.
No meio do tiroteio, o juiz Denny Chin preferiu a cautela. Na semana da audiência decisiva, em inícios de outubro, emitiu comunicado em que adiava os trâmites. Aparentemente, o magistrado ficou convencido de que, com o próprio Governo dos Estados Unidos tomando posição veemente contra o Google, o processo assumiu proporções inimagináveis.
“Sob as circunstâncias, escreveu na nota de adiamento, não faz sentido haver uma audiência para determinar se o atual acordo é justo ou razoável, uma vez que parece que o acordo não será o que vai entrar em vigor”.
O Google, na defensiva, alega que toda a sociedade sairá ganhando.
“O acordo (com escritores e editores) pode abrir o acesso a milhões de livros nos Estados Unidos, ao mesmo tempo dando a autores e editores uma nova forma de distribuir seu trabalho”.
Será preciso, antes, combinar com o Departamento de Justiça. Obter sua aprovação para que o Google Editions abra o balcão. Tom Turvey, diretor da área, explica que a empresa oferecerá o produto para venda, mas esta será realizada por parceiros do varejo. Quando anunciou o projeto em Frankfurt, Turvey garantiu que os preços dos livros serão fixados pelas editoras, que receberão 2/3 das vendas. Em uma primeira etapa, em 2010, serão oferecidos 400 mil títulos, segundo Turvey, todos com copyrights firmados.
A Amazon, maior vendedora on line de livros, não entrou nessa guerra por nada.
O Brasil parece distante desse conflito. Bem, nem tanto assim. São mais de 100 editoras que fecharam acordo com o Google Book, a começar pela Editora Senac São Paulo, que topou a digitalização há mais de três anos (veja entrevista com Marcus Vinicius Barili Alves). A Ediouro, das grandes, foi igualmente pioneira, seguida por Cia. das Letras, Zahar. E as adesões continuam sinal de que nossas editoras encararam o desafio.
“A gente vai ter de aprender a conviver com todo esse movimento”, afirma Susanna Florissi, diretora da SBS, especializada em livros de idiomas e, mais recentemente, no segmento CTP (livros científicos, técnicos e profissionais). “Acho que muito do conhecimento vai passar a ser livre. Precisamos conseguir administrar tudo isso, ganhar alguma coisa com isso. Esse é o desafio. Mas não tem como fugir dele, do conhecimento compartilhado”.
A executiva toca em um outro problema complexo, o da pirataria. Além dessa, a fotocópia de xerox, disseminada nas universidades.
“Tenho perguntado a muitos alunos, ‘quantos livros você usou na faculdade’? Eles respondem: ‘Nenhum’. O costume é xerocopiar um capítulo do livro tal, e assim por diante, tudo tirado da internet e pagando apenas o copiador da máquina.”
Quem defende o Google Book usa também os sites piratas espalhados pela web, esses, sim, praticamente incontroláveis. Scribd, RapidShare, MediaFire são alguns desses, oferecendo inclusive e-books. E, no sentido oposto, a tarefa dos piratas ficou facilitada porque podem copiar arquivos digitais diretamente.
O Google Book pode ser a melhor saída?

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