quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O guru da Internet e a descoberta da gratuidade




Fonte: Instituto Humanitas Unisinos.
Data: 25/11/2009.
No reino da abundância, as mercadorias digitais têm custos de produção que tendem a zero. Assim, na web, a gratuidade tende a se tornar a norma, e não a exceção. É a tese que o estudioso e diretor da revista Wired, Chris Anderson, propõe em "Grátis" [Free, no título original], o seu novo livro publicado na Itália pela editora Rizzoli [no Brasil, o título é "Free: Grátis – O Futuro dos Preços", editora Campus, 2009].
A reportagem é de Raffaele Mastrolonardo, publicada no jornal Il Manifesto, 22-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Existe a economia da escassez física, aquela na qual os seres humanos passaram grande parte de sua história. E depois existe a da abundância digital, na qual começamos a viver só há alguns anos. A primeira funciona seguindo a teoria econômica clássica. A segunda se move segundo regras em grande parte ainda a serem escritas, que pouco têm a ver com os textos sagrados da "ciência triste". Para entender o descarte, basta ir a uma banca de jornal, folhear quilos de papel cheios de informação paga e depois dar uma volta online para encontrar a mesma informação (e até mais), só que grátis.
A diferença não é pouca e nem casual. É, ao invés, a característica distintiva da "revolução" provocada pela rede que transforma tudo o que pode em bits, imateriais e fáceis de serem transportados, e torna abundantes bens que antes eram escassos.
Quem pensa assim, entre outros, é Chris Anderson, diretor da revista mensal Wired e aclamado guru da rede, que desembarcou na Itália com o seu último trabalho, "Grátis" (Ed. Rizzoli). No livro anterior, "A cauda longa" (Ed. Campus, 2006), ele contava como os negócios mudam na era da abundância imaterial, quando, sem as restrições do espaço e das estantes físicas, produtos que se dirigem a poucos podem ser economicamente atraentes como os de massa.
Em "Grátis", Anderson dá um passo adiante. O futuro da maior parte dos bens digitais, diz, é marcado por um só número: o zero. O coração do argumento do novo livro é puro materialismo tecnológico. Quem irá nos levar ao reino da gratuidade serão aqueles processos em virtude dos quais o preço dos suportes de memória, da banda de transmissão e dos processadores, isto é, da arquitrave de todo fornecimento de serviços web, cai pela metade em um período entre 9 e 18 meses. Nesse ritmo, o custo marginal da distribuição de bits cai para zero, e as empresas mais agressivas se comportam em consequência disso, dando bens digitais sem pedir nada em troca.
Mas quem prosperava até ontem naquilo que está destinado a perder valor não deve se preocupar. Basta seguir os conselhos do livro e ir à caça daquela que o autor define como "escassez adjacente". Ou seja: não peça dinheiro online por aquilo que antes ou depois qualquer um irá dar de graça, mas encontre uma fonte de remuneração relacionada. Em uma palavra: "freemium": "com uma mão, doe, e com a outra faça com que paguem".
É mais fácil dizer do que fazer, mas alguns fazem. O Google, por exemplo, fatura bilhões com a publicidade online e oferece gratuitamente o YouTube, o Google News e o serviço de correio eletrônico Gmail. Flickr, site de compartilhamento de fotos, é grátis para todos, exceto para aqueles poucos que estão dispostos a gastar em funcionalidades adjuntivas. A prestigiosa conferência Ted, pelo contrário, aumenta a sua popularidade publicando gratuitamente os vídeos dos oradores na web e pede milhares de dólares para participar ao vivo dos encontros e gozar do privilégio de ter conversas interessantes nos corredores.
Poucos sabem empacotar as ideias com a maestria do diretor da Wired e da sua equipe editorial. "Grátis" mantém em perfeito equilíbrio a teoria (vejam as reflexões sobre a estratégia de maximização da distribuição do Google) e exemplos práticos (as bandas de tecnobrega, gênero musical brasileiro, que aceitam a venda de seus CDs abaixo do custo nas ruas considerando isso como publicidade para as performances ao vivo). E alterna com sabedoria histórias individuais (King Gillette que faz fortuna vendendo aparelhos de barbear de baixo custo e que ganha com as lâminas) e excursões históricas sobre o conceito de "zero", dos babilônios até os nossos dias.
Tudo tão perfeito e bem organizado que levanta a suspeita de que Anderson preferiu evitar qualquer tipo de má notícia para não sujar a confecção otimista do pacote editorial. Porém, a lógica do processo brilhantemente descrita deixa mais de uma dúvida sobre o radioso futuro prometido.
Como explicou Yochai Benkler, estudioso de Harvard, os baixos custos da distribuição na rede e a facilidade da comunicação online abriram as portas de diversos campos a milhões de indivíduos animados por motivações não pecuniárias (da paixão à diversão). Resultado: graças à Internet, uma série de domínios que até ontem eram só "econômicos", hoje são também "sociais", como a realização de uma enciclopédia (Wikipedia), a produção de softwares (o open source), a informação (blogs e sites de base).
E então, tem-se vontade de elencar no apêndice 50 modelos de negócios disponíveis, escrever listas de "táticas" e de "regras" para desfrutar as oportunidades abertas pela gratuidade trazida pelos bits. A questão, no fim, é que mesmo se tentarmos isso, em muitos setores o espaço de ação meramente econômica é restringido, e amplia-se o não monetário, e a torta dos lucros sai menor do forno digital.
"Grátis" para um passo antes de tirar essas consequências e de questioná-las. Uma pena. Talvez, seja a preocupação de não perturbar muito o humor de homens de negócios já desorientados pelo avanço do digital. Ou talvez a resistência a se admitir que, no fundo, a economia da abundância não é exatamente uma verdadeira economia. E que defini-la assim é só a extrema tentativa de inserir à força a lógica do "nu e frio pagamento em dinheiro" (Marx) em espaços onde este não é mais a motivação soberana da ação dos indivíduos

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