sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Googleituras




Googleituras

Fonte: O Globo (Rio de Janeiro) Data: 10 fev. 2006

Uma queixa que não vai embora: nossos filhos e netos estão lendo cada vez menos. Já escrevi sobre isso, mas, abastecido por novos palpites, gostaria de revisitar o assunto.
A queda no índice de leitura de livros, antes atribuída exclusivamente ao fascínio pela televisão, parece ter hoje mais dois responsáveis de peso: o iPod (forma de ouvir música pelo menos bem educada: o som vai exclusivamente para os ouvidos do paciente) e o computador.
É preciso registrar que a garotada lê e escreve sem parar nos computadores. Eles tanto praticam jogos eletrônicos como conversam entre si (talvez um pouco mais as meninas do que os meninos, mas não tenho certeza) o tempo todo. Mas o idioma não é o português que conhecemos: usam (aqui e em outros países) uma linguagem altamente sincopada, inundada de expressões em inglês básico. Fazem-no, garantiram minhas fontes, em nomeada pressa — e, se dá para entender, que mal que tem? A pergunta é retórica e estamos dispensados de responder.
Ainda bem que estão escrevendo para se comunicar — mas é pena que isso não seja um caminho na direção de algum apreço pela língua pátria e pela literatura como fábrica de prazer pessoal. (A propósito, lamente-se que um dos canais de TV por assinatura da NET tenha aderido à heresia, legendando alguns filmes no idioma cifrado da garotada).
Deixando os meninos em paz, passemos, em corajosa demonstração de imparcialidade, a uma pergunta aos adultos que se dizem viciados na chamada cultura livresca: quantas vezes ultimamente vocês têm sido levados a ler um livro novo ou reler um capítulo de outro, em busca de informação e atualização sobre questões a que são chegados? Andam metendo o nariz nos volumes com a intensidade de antigamente, ou pescam quase tudo que querem no Google?
Honestamente, todos nós que trabalhamos com as letrinhas amamos o Google pela rapidez com que nos fornece informações específicas sobre quase tudo — freqüentemente permitindo que aparentemos uma sapiência inexistente.
Trata-se, claro, de eficiente fornecedor de dados — mas é preciso não esquecer que ele está longe de ser o instrumento cultural que só o livro pode ser. Nem tem qualquer pretensão nesse sentido. Não sei se a imagem é adequada, mas diria que o Google é onde pescamos, não onde nadamos nem mergulhamos. E onde encontramos o que sabíamos que precisávamos — não o que nos fazia falta, mas disso não sabíamos.
Meu conselho (que até pretendo seguir, a partir de segunda-feira sem falta) é só recorrer à mina de ouro dos rapazes quando absolutamente necessário e urgente. E,sempre que possível, refrescar a memória freqüentando velhas e boas estantes. Livros não oferecem apenas a informação que buscamos: também nos dão aquelas que sequer sabíamos existir.
Além disso, nenhuma estante esconde o seu recheio — enquanto o Google fez um papelão e abriu perigoso precedente ao aceitar a censura oficial na China.
Episódio sobre o qual o site produziu versão cuidadosamente pasteurizada. Podem conferir: está no Google.

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