Fonte: Le Monde. Data: 22/05/2010.
Com tradução do portal UOL, 23/05/2010.
Autores: Cécile Ducourtieux, Nathaniel Herzberg e Sylvie Kauffmann.
Cofundador do Google, presidente de produtos, Larry Page responde às perguntas sobre a estratégia do gigante americano da internet, suas difíceis relações com as editoras e a proteção dos dados pessoais.
Eis a entrevista.
O Google lançou, na quinta-feira (20), o Google TV, um sistema para conectar seu televisor à internet, com a Intel, a Sony e a Logitech. Com qual objetivo?
As pessoas ainda não acessam a internet pela televisão. A internet não foi concebida para isso, mas seria bom se o YouTube [propriedade do grupo] fosse acessível nessa tela, ou que pudéssemos olhar emails nela. As pessoas têm um monitor grande, que custou caro, e que ocupa espaço – elas gostariam que ele fizesse o máximo de coisas possível!
No fim dos anos 1990, o Google era somente uma ferramenta de busca. A empresa agora oferece uma série de outros serviços. Vocês comercializam até um telefone. Por que diversificar tanto?
É muito simples: queremos ganhar ainda mais dinheiro! Com nosso sistema de busca, conseguimos criar o equivalente a uma escova de dentes, uma ferramenta que assumiu um lugar importante em nossas vidas. O mesmo com o Gmail [serviço de mensagens do Google] para o email. Todos os produtos que lançamos deverão ser assim. Eis o nosso raciocínio: do que as pessoas realmente precisam, o que tem valor para elas? Há outro aspecto: quando as empresas crescem, muitas vezes ela não procuram mudar de ramo, e empregam milhares de funcionários para fazer a mesma coisa. Isso não é necessariamente muito lucrativo.
A plataforma de vídeos YouTube é muito popular. Mas vocês ainda não encontraram o modelo econômico...
Os jornalistas são um pouco duros: o YouTube acaba de comemorar seus cinco anos. Cinco anos após sua criação, o Google tinha um faturamento comparável. É preciso colocar as coisas em seu contexto. Nós queremos atrair para a plataforma conteúdos originais, de qualidade, se possível profissionais, pelos quais os autores possam ser remunerados [por uma divisão de receita publicitária] e para quem o YouTube represente a principal fonte de renda. Ainda não chegamos lá, mas não estou preocupado.
O YouTube dará lucro este ano?
Nós não damos essas informações. Mas isso não me surpreenderia.
Por que o grupo acaba de desistir da venda online de seu telefone, o Nexus One?
A equipe do Android [o sistema operacional para celular do Google], que desenvolveu o Nexus One, subestimou a quantidade de trabalho que representava a venda online. Ela não dispunha de sistemas de faturamento das operadoras de telecomunicação nem de suas ofertas promocionais. Mesmo assim o sistema Android é um sucesso: em abril, nos Estados Unidos, foram vendidos mais telefones com esse sistema do que iPhones.
O Google Docs [editor de documentos acessível gratuitamente a partir de um navegador] deveria ter afetado muito um dos produtos principais da Microsoft, o Office, mas ele não teve tanto sucesso. Por quê?
Estou satisfeito com esse produto. Nossa meta não era matar o Office da Microsoft, mas sim prover 80% das necessidades básicas dos usuários, com um produto mais rápido, mais simples. É exatamente o contrário da estratégia da Microsoft, que passa seu tempo acrescentando funcionalidades ao Office, mas que pouquíssimas pessoas realmente usam. Nós tivemos muito sucesso nas empresas, e quase 100% dos funcionários do Google usam o Google Docs internamente. Claro, existem ainda uns cinquenta funcionários na empresa que utilizam absolutamente todas as funcionalidades possíveis do programa Excel, da Microsoft. Eu não conseguiria convencê-los, e esse nem é meu objetivo!
O sr. não acha que o Chrome OS, seu sistema operacional para PC, chegará tarde demais ao mercado? Os fabricantes anunciam cada vez mais terminais equipados com o Android: sistemas embutidos em carros, tablets, etc.
Nós nos questionamos muito dentro da empresa. Mesmo assim acredito que os dois sistemas operacionais, Chrome OS e Android, se destinam a dois usos ou dois tipos de terminais diferentes. O Android foi idealizado para telefones com touch screen, que consomem pouca energia. As limitações materiais para um computador continuam sendo diferentes, e o Chrome OS continua sendo pertinente. Você tem máquinas dotadas de um processador para telefone, que consome relativamente pouca energia, e pode rodar com o Android, e outras, com um processador de PC, que precisarão do Chrome OS, que é otimizado para esse tipo de máquina. Gostaríamos que eles acabassem se fundindo, que qualquer sistema operacional pudesse funcionar em qualquer máquina, mas ainda não chegamos lá.
Alguns de seus concorrentes acabam de lançar tablets digitais. Que visão o sr. tem desse mercado?
Para mim, nesse estágio, os tablets são telefones grandes. Eles têm o mesmo tipo de processador, com touch screen. Mas acho que veremos o surgimento de uma série de terminais diferentes, sendo que muitos funcionarão com o Android, com telas de todos os tamanhos.
Vocês não têm uma rede social comparável ao Facebook. Não é uma desvantagem?
É algo em que estamos pensando. Nossa rede Orkut é muito popular no Brasil, mas não em outros países. Para ir mais longe, quando você se registra no Facebook, logo lhe é oferecido que sejam importados seus contatos do Gmail. Em compensação, o Facebook não autoriza a exportação de membros do Facebook para o Gmail. Ao contrário de nós, o Facebook não é realmente um sistema aberto.
Seu sucesso se baseia na relação de confiança com o usuário. O caso “Google Street View” não abalou essa confiança?
Nós cometemos um erro, coletamos dados que não queríamos coletar. Queremos cooperar da melhor forma possível com as autoridades para corrigir isso. Mas acredito que fomos diretos: relatamos nosso erro assim que o detectamos. Não estou certo de que muitas outras empresas se comportariam da mesma forma em um caso similar. A lição que aprendemos foi que devemos permanecer humildes e melhorar nossos processos.
Vocês armazenam uma quantidade enorme de dados em seus servidores. Isso é realmente necessário?
A maior parte desses dados são páginas da web, palavras-chave, endereços IP [que identifica um computador]. Mas você não é identificado: nós temos poucas informações pessoais, ao contrário das operadoras de cartões de crédito. Para que a ferramenta funcione, para melhorar a qualidade dos resultados de busca, precisamos de todas essas informações. Nossa ambição é organizar toda a informação do mundo, não somente parte dela. Mas me preocupo com o fato de que algumas pessoas não acham que conservar tantas informações seja bom. Nós oferecemos ferramentas para que os internautas possam ver e controlar o uso que fazemos de seus dados [serviço “dashboard”].
Qual a sua opinião sobre a proteção de dados privados?
As sociedades mudam, as pessoas estão se comunicando cada vez mais online. As fronteiras da vida privada estão se deslocando. Para nós, às vezes, é um pouco complicado. Presta-se muita atenção especialmente ao tempo pelo qual se guardam dados de conexão. Ao mesmo tempo, as pessoas colocam cada vez mais dados pessoais online: fotos de si embriagados, etc. Manter os dados pode ter um grande valor: veja o serviço de acompanhamento da gripe A que implantamos há alguns meses. Poupamos muito dinheiro às agências americanas, graças aos dados de conexão dos internautas.
Na França, onde vocês foram condenados por desrespeitar direitos autorais, há um projeto de tributação da publicidade na internet... Como reage a isso?
É uma das razões pelas quais vim a Paris. No ramo das editoras, colocar nossa tecnologia a serviço da cultura nos motiva muito. Quando eu era estudante em Stanford, uma inundação destruiu entre 50 e 100 mil livros insubstituíveis. Se eles tivessem sido digitalizados... Nosso projeto é simples: queremos fazer acordos [com bibliotecas], selecionar obras em domínio público e digitalizá-las por nossa conta. Mas esse projeto acabou se misturando com polêmicas sobre direitos autorais.
Elas são legítimas ou entravam a inovação?
É claro que o direito autoral é importante. E é claro que isso causa problemas. Veja as revistas: para colocá-las online, você deve pagar os direitos sobre imagens cujos autores ou detentores de direitos você não sabe quem são, etc. Se pudéssemos reescrever a lei, faríamos de outra forma. Queríamos encontrar uma maneira aceitável de identificar os detentores dos direitos, remunerá-los, abrir acesso às obras. Encontrar a solução perfeita levará tempo. Até lá, gostaria de encontrar um acordo satisfatório. Senão corre-se o risco de que conteúdos desapareçam para sempre.
O que vocês esperam da decisão da Justiça dos Estados Unidos, que deve se pronunciar sobre sua proposta de acordo com as editoras americanas [para pagar pela obras que digitalizaram]?
Nós esperamos conseguir uma decisão rapidamente e esperamos que reconheçam o benefício desse acordo para todo mundo. Acreditamos que nosso acordo é justo para todas as partes envolvidas: os detentores de direitos, os autores e as editoras.
Até há pouco tempo o Google tinha uma imagem simpática. Hoje, vocês são vistos como uma ameaça. Vocês têm ciência disso?
Sim, estamos muito cientes disso, e se você tiver soluções a propor, não hesite! Acredito que devemos ser mais presentes na França, ter mais pessoas aqui. Nós estamos crescendo, falam de nós o tempo todo. Nós temos um papel cada vez mais importante na vida das pessoas, e isso causa questionamentos, é normal. Mas se continuarmos a fazer o melhor que pudermos, superaremos essas dificuldades. Isso vai depender da maneira como os indivíduos poderão controlar nossos serviços. É também uma questão de produtos. E aí podemos melhorar.
Vocês estão satisfeitos com o nível de inovação no Ocidente? Não acha que ele foi afetado pela crise?
Constato que o nível de inovação em nossa indústria vem aumentando muito. Você pode ver quando quer comprar uma empresa nova: seus preços aumentaram três vezes. Até as empresas muito jovens se tornaram consideravelmente mais caras. E é porque a tecnologia é cada vez mais eficiente, e dá muitas oportunidades para as pessoas ganharem mais dinheiro. Os investidores entenderam bem isso, e foi por isso que aumentou tanto a valorização das empresas. A crise não chegou a afetar essa tendência. Em compensação, o que me preocupa mais é que não estão realmente valorizando as carreiras de engenheiros, especialistas em informática. A porcentagem de jovens que escolhem esse tipo de carreira está diminuindo, quase não há mulheres entrando nessa área.
Qual o principal desafio que vocês devem enfrentar hoje no Google?
Meu desafio não mudou nestes últimos anos, que é acompanhar o crescimento da empresa, fazer com que ela continue a funcionar bem, que continuemos organizados, que os funcionários permaneçam motivados. E mantê-la em crescimento: nós contratamos cerca de 800 pessoas em nível mundial no trimestre passado [1º semestre de 2010]. O Google tem hoje mais de 20 mil funcionários.