domingo, 11 de junho de 2006

Os "sem livros" no Brasil




Educação Os "sem-livro"
Fonte: Correio Braziliense, Brasilia, 11 de junho de 2006.
Setenta e cinco por cento dos brasileiros não dominam o exercício da leitura, e mais de 60% não sabem interpretar textos. Especialistas alertam que o hábito tem de começar cedo, ainda na infância
------Erika Klingl Da equipe do Correio
Na casa de Maurizan Dias Queiroz , de 5 anos, não há livros. Nem uma Bíblia ou uma revista de histórias em quadrinhos. Seus avós, Doralice Gomes de Oliveira, de 64, e Sebastião Queiroz de Oliveira, de 63, nunca foram à escola. Os pais do menino, que mora na Vila Estrutural, passam o dia no lixão, de onde tiram, em uma boa semana de coleta, R$ 60. A história de Maurizan está longe de ser única. Ele faz parte de um exército de brasileiros distantes dos livros, do letramento e de todo o universo mágico que só a leitura proporciona.No Brasil, a categoria dos "sem-livro" é maior que a dos sem-teto ou dos sem-terra. Somos uma população que não lê. Nada menos que 75% dos brasileiros não dominam o exercício da leitura, um número que inclui os analfabetos absolutos - sem qualquer habilidade de leitura e escrita - e os 68% considerados analfabetos funcionais, que têm dificuldades para compreender e interpretar textos. "São pessoas que até conseguem decodificar uma palavra ou frase mas não vão além do significado restrito", explica Márcia Elizabeth Bortone, professora da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a educadora, boa parte da culpa dessa incapacidade de interpretar o que está escrito e entrar no mundo da história é, justamente, a falta de intimidade com a leitura.Naturalmente, sem livros em casa, não há como se desenvolver essa intimidade. E vale destacar que, quanto mais cedo, melhor para formar um futuro devorador de livros. Maurizan, por exemplo, está em uma ótima idade para ser apresentado ao mundo da Turma da Mônica, dos príncipes e princesas ou de outros personagens da literatura infantil."Meu neto vai ser doutor", apostaa a avó do menino, que não sabe nem assinar o nome. "Minha loucura é ver esse garoto com um diploma na mão", sonha o avô, que aprendeu a ler pelo que ele chama de professor mundo. O professor Antônio Ibañez, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), concorda com os dois. "As crianças têm todos os instrumentos, cabe aos pais, professores e sociedade não jogar esses talentos fora", argumenta.AtrasoNão são poucas as causas que levam os brasileiros a terem baixo índice de leitura. Muitos simplesmente não querem. Apenas um adulto alfabetizado em cada três lê livros. O brasileiro médio lê 1,8 livro não-acadêmico por ano, de acordo com dados do último levantamento da Câmara Brasileira do Livro (CBL). O número é menos da metade do que se lê nos Estados Unidos ou na Europa.Além disso, a leitura é desencorajada pelo preço das publicações. Nas principais livrarias, o livro O Código Da Vinci, sucesso absoluto de vendas, pode ser comprado por R$ 31, pouco menos do que 10% do salário mínimo brasileiro. A média dos livros da escritora Ruth Rocha, uma das maiores autoras de livros infantis, é R$ 25. Com isso, entramos em um ciclo vicioso: os brasileiros compram poucos livros porque eles são caros, o que provoca uma baixa tiragem, responsável por puxar para cima os preços.Mas a maior dificuldade está no fato de que a leitura é um hábito difícil de formar. Os brasileiros compraram menos livros em 2004 - 289 milhões - do que em 1991. O quadro fica ainda pior quando olhamos o que as compras do governo representam nesse montante. De todos os exemplares vendidos em 2004, 135 milhões foram compras institucionais, a maioria de livros didáticos. E, dos 153 milhões vendidos à população em geral, apenas 51,5 milhões eram da categoria geral, que inclui as ficções, romances, obras literárias, clássico e histórias infantis. Do restante, 56 milhões eram livros didáticos, 16 milhões eram científicos ou profissionais e 28 milhões eram religiosos.O baixo crescimento da leitura aparece na formação da nossa sociedade. A pesquisa de analfabetismo funcional, do Instituto Paulo Montenegro, o braço social do Ibope, existe desde 2001. Os números mudaram pouco em quatro anos. Apenas o grupo que está no nível 2 de alfabetismo teve crescimento significativo, passando de 34% para 38%. O nível 1, chamado de rudimentar, porque tem a capacidade de ler títulos e frases isoladas, se manteve na faixa dos 30%, como nos outros anos. Também como em 2001, apenas 26% dos brasileiros estão no grupo dos que apresentam plenas habilidades de leitura e escrita.
------ Entrevista - Ziraldo "Um país justo precisa de livros"
Fundador de O Pasquim, criador da Turma do Pererê e escritor do best-seller infantil O Menino Maluquinho, Ziraldo Alves Pinto entende como ninguém da atração que os livros podem exercer nas pessoas, especialmente nas crianças. A história do menino que sabia aproveitar como poucos a vida alcançou a marca de 1,8 milhão de exemplares vendidos. "Quando faço um livro, penso no quanto pode se transformar num objeto amado pelo leitor infantil", afirma o escritor. O senhor concorda que a formação de um leitor começa ainda na infância? Lógico. Os pais não podem fazer idéia de como é importante a presença do que se pode chamar de literatura na vida de seus filhos. Vamos deixar de falar de literatura e falar em livros. Livros de histórias, livros que contam casos, que despertam a curiosidade das crianças para o mundo. Para fazer um país justo e feliz, bom para os filhos e os filhos dos filhos, um povo tem que saber pensar, refletir, discernir, tem que saber escolher. E só se aprende isto através da palavra escrita. Minha preocupação não é somente o Brasil, é também o mundo. Na opinião do senhor, pais que não têm dinheiro para comprar livros têm alguma saída? As crianças estão lendo mais, estão mais interessadas em histórias, em leituras, graças às políticas educacionais, doações escolares e consciência de todos da necessidade da leitura. Qual a preocupação que um escritor deve ter ao escrever para crianças? Acho que num mundo ideal, a criança seria o centro de preocupação da sociedade. Um mundo de crianças felizes seria o futuro sonhado. Não faço proselitismo com meus livros infantis, não trato temas políticos, não quero fazer a cabeça de ninguém naquela faixa de idade. Gosto de inquietar adultos acomodados e despertar as crianças para a alegria e o prazer de ler com desenvoltura. Quer dizer, quando faço um livro, penso no quanto pode ser transformar num objeto amado pelo leitor infantil. É mais fácil ou é mais difícil para um escritor conquistar os pequenos leitores? Eles são mais exigentes? É uma pergunta difícil de responder. Acho que é mais fácil com as crianças porque eu faço muito sucesso com elas. Eu chego nos colégios e tudo é uma festa. (EK)

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