domingo, 27 de fevereiro de 2011

“Dado, Informação e Conhecimento”…





Leandro Libério, em 16 de Fevereiro, fez a seguinte postagem:
Tenho outra dúvida: pelo que percebi pelo teu livro "A Informação", por exemplo, o número 49 (num texto isolado) é uma informação.
Para os informáticos é um dado.


Porém Wilson num de seus textos sobre "Information Behavior".... deu um exemplo q fiquei na dúvida.

se no texto tiver assim: "%5d&89" (ou seja... um "dedilhar" qq) ainda continua a ser informação (signo registado num suporte)?

O foco está posto numa questão axial sobre a natureza do objecto de estudo da Ciência da Informação.Para enfrentar estas e outras questões torna-se necessário adoptar uma definição operatória de informação, embora nos debates, que há muito se fazem no campo da CI, nunca faltou quem considere inútil cometer tal empresa. Observando a multiplicidade de sentidos que o termo foi adquirindo, desde, pelo menos, o séc. XIX, e as apropriações sócio-profissionais, filosóficas e científicas efectuadas, compreende-se que não é pela via definitória que se consegue um consenso universal em torno desta palavra e do respectivo conceito. Mas, o equívoco maior talvez esteja em ter-se, algum dia ou alguma vez, aceitável formular tal desiderato… Definir informação não deve visar um consenso total e absoluto, mas uma clarificação conceptual de onde se parte para os debates e as pesquisas ininterruptas e abertas.

Sem outro propósito que este último, adopto e trabalho com a definição, segundo a qual informação é “um conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas (signos, símbolos…) e modeladas com/pela interacção social, passíveis de serem registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multi-direccionada. Definindo-se o que a informação é, define-se, em simultâneo, o que ela não é, ou dito de outro modo, excluem-se sentidos e perspectivas tidas por muitos especialistas e cidadãos anónimos como aceitáveis. A informação não é uma afirmação nova e estruturada que propicia ou deriva da produção de conhecimento, porquanto admitir isto colide com a possibilidade, expressa na definição evocada, de que um conjunto codificado (vertido num código, ou seja, numa língua, por exemplo) de representações, sejam novas ou conhecidíssimas, é informação. E informação não é uma “coisa” resultante de um processo de materialização, porquanto, sendo representações mentais e emocionais codificadas, ela nasce e pode manter-se no cérebro humano sem que sejam externalizadas através da escrita, ou seja, da gravação ou inscrição num suporte  existente fora da pessoa “que informa”. A “coisa” ou artefacto, que passa a ter existência física própria e independente do seu criador, corresponde à designação de documento e que é, claramente, um medium de comunicação. Importa, por isso, não confundir, como muitos fazem, informação com documento.

Urdaneta (1992), citado por Marisa Brascher, distinguiu quatro classes diferentes de informação: dados, informação, conhecimento e inteligência. Dados são sinais que não foram processados, correlacionados, integrados, avaliados ou interpretados de qualquer forma, ou seja, é a matéria-prima a ser utilizada na produção da informação. A informação consiste dos dados processados, para serem exibidos em uma forma inteligível às pessoas que vão utilizá-los. O conhecimento é definido como informações que foram analisadas e avaliadas sobre a sua confiabilidade, sua relevância e sua importância, o conhecimento não é estático, modificando-se mediante interacção com o ambiente.

Entende-se por inteligência o conhecimento contextualmente relevante que permite atuar com vantagem no ambiente considerado. Inteligência pode ser vista também como o conhecimento que foi sintetizado e aplicado a uma determinada situação, para ganhar maior profundidade de consciência da mesma. Perante este entendimento, muito reproduzido nas áreas de Gestão e Informática para a Gestão, pergunto quais os seus fundamentos neurocientíficos? Em que se baseou Urdaneta para estabelecer esta subtil e sofisticada distinção? 

É óbvio que a sua definição de informação diverge profundamente da minha e esta impossibilita essa distinção em quatro classes, uma vez que, tanto dado, informação e conhecimento, definidos por Urdaneta e citados por Marisa Brascher, cabem dentro do “conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas etc.”. 


Vejamos por exemplos:

1957 é um dado para Urdaneta/Marisa Brascher - algo não processado, não correlacionado, não integrado, não avaliado nem interpretado de qualquer forma. No entanto, pergunto se será possível negar que, se eu escrever numa folha branca ou numa página word na tela do meu computador 1957 (ano do meu nascimento), este dado não é uma representação mental e, sobretudo, emocional que me diz algo ou que tem sentido, pelo menos, para mim e para os meus familiares? E se um dado é informação, fica impossível ou redundante distinguir esta daquele. E se o conhecimento consiste em informações analisadas e avaliadas sobre a sua confiabilidade não custa admitir que conhecimento é, também, um conjunto de representações mentais e emocionais codificadas, ou seja, sinónimo de informação.

Confuso?

Vejamos:

  1. Dado: concordo que este termo sirva para conceituar “matéria-prima” a ser usada na produção de informação. Dado é um sinal sem sentido, ou seja, um impulso sísmico que é capturado por um sismógrafo e convertido num grafismo, que é lido facilmente por um sismólogo, que o interpreta e explica o que se passa com informação, esse impulso é um dado bruto produzido pela Natureza e não pela mente humana. Se, distraidamente, ou porque adormeço em cima do teclado do meu computador e, como refere Leandro, "%5d&89" (ou seja... um "dedilhar" qualquer) ainda continua a ser informação (signo registado num suporte)?” – neste caso, “%5d&89” é um dado bruto sem sentido. Mas, se “%5d&89” corresponder a uma cifra secreta, já é informação, porque é uma representação mental e emocional codificada. 
  2. Informação: existe no cérebro onde é produzida e porque é constituída obrigatoriamente por um elemento social, aprendido e oriundo do ambiente ou da sociedade - a língua, a aritmética, a geometria, a cor, a notação musical, etc. – corresponde ao que o professor japonês Ikujiro Nonaka designou por conhecimento explícito e definiu “o que já foi ou pode ser articulado, codificado ou armazenado de alguma forma em alguma mídia. Ele pode ser prontamente transmitido”. O conhecimento explícito só pode ser facilmente transmitido se for uma representação mental e emocional codificada e produzida e/ou retida no cérebro humano, embora possa ser externalizado graças à plasticidade do código (alfabético, numérico, geométrico, cromático, musical, gestual, etc.) e por conta destas propriedades (a reprodutividade e a transmissibilidade) a informação/conhecimento explícito converte-se em documento. Mais um exemplo: eu “conheço” várias anedotas que me foram contadas e que assimilei e memorizei no meu cérebro, tal e qual as ouvi (é possível, embora nem sempre fácil, “pois quem ouve um conto, acrescenta um ponto”…), não precisando de as registar em papel ou numa fita magnética; essas anedotas são conhecimento explícito ou informação, porque podem ser contadas a qualquer momento e gravadas. 
  3. Conhecimento, inteligência, cognição: ainda Nonaka, inspirado em Michael Polanyi, consagrou a expressão conhecimento tácito, como sendo aquele que o indivíduo adquiriu ao longo da vida e que está na cabeça das pessoas. Geralmente é difícil de ser formalizado, ou explicado a outra pessoa, pois é subjetivo e inerente às "habilidades de uma pessoa”. Comparando esta definição com a de conhecimento explícito, há uma diferença subtil importante: dir-se-ia que o conhecimento tácito não está codificado, vertido num código. Não é a anedota ou a notícia que li num jornal e retive na minha cabeça. É então o quê?  Peguemos no Dictionnaire des sciences cognitives sob a direcção de Guy Tiberghien (Armand Colin, 2002, pp. 70-71) e abramo-lo no verbete cognição: “a função da cognição é material, determinada fisiologicamente pelas estruturas  e os modos de funcionamento dos cérebros, e resultante da evolução (…) e uma segunda categoria de realidades constitutivas da cognição, é a das “representações”, que podem ser mentais, conscientes ou não, linguísticas, formais, informáticas”. Através do conceito de representação, fica vinculado o conceito de informação à função cognição, e esta ligação é orgânica e natural. Por outro lado, a materialidade bio-química da cognição absorve bem essa subjectividade, referida por Nonaka, esse acúmulo de vivências positivas ou traumáticas, que são retidas pelas estruturas e modos de funcionamento do cérebro de cada um.
Terminando: já propus em 2002, num texto publicado no Brasil e que constitui o capítulo 3 do meu livro A Informação (Edições Afrontamento, 2006), uma tríade diferente da que usei para título deste comentário ou postagem – dado, informação/conhecimento e cognição. Em que dado é um sinal bruto sem sentido e não humano, informação sinónimo de conhecimento e cognição a função onde se dilui o conhecimento tácito.

1 Comentários:

Ana disse...

Caríssimos, deixem-me participar desta conversa pois foca um assunto que me é pessoalmente achado como delicioso.

Diria que continuará a haver a questão "o que nasceu primeira, a informação ou o conhecimento", até porque não seria a primeira vez que veria ambos os termos englobados num só conceito ou o termo conhecimento entendido como a dada noção de informação.

No entanto, surge muitas vezes outra questão: onde está a informação?
Penso que isto se liga ao conhecimento e à comunicação.
Digamos que para mim chinês não é informação, uma vez que não consigo interpretar a linguagem. No entanto, se vir um tradicional caracter chinês, vou provavelmente identificá-lo como pertencente a uma língua asiática, uma vez que já vi estes caracteres antes e já tive a informação (que transformei em conhecimento?) do que se tratavam.
Por isso, poder-se-à afirmar que a informação está dentro de nós? Que é como quem diz, no nosso cérebro? Ou é o conhecimento que já está no nosso cérebro e não a informação? Só entenderei uma informação que me for dada se o conhecimento sobre tal informação já estiver armazenado em mim, já me tiver sido comunicado de alguma forma?

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