quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Avançando para trás




Fonte: O Globo. Data: 19/12/2010.

Roberto Feith*

Diretor da Objetiva escreve sobre o rumo que a nova lei de direitos autorais pode tomar

*Roberto Feith é jornalista e empresário do setor editorial

A proposta do Ministério da Cultura para uma nova Lei do Direito Autoral é uma tentativa de reformar o que não está quebrado. Ela é fruto de uma arrogância bem intencionada; os arquitetos da proposta são movidos por uma vontade genuína de melhorar o mundo e tomados pela convicção de que sabem, melhor do que ninguém, como fazer isto. Lembram os arquitetos da finada Lei da Informática; o contexto era diferente, mas os responsáveis pelos dois projetos têm em comum a convicção que sabem como corrigir os “erros” da sociedade. O resultado, num e outro caso, são projetos de lei confusos, autoritários e retrógrados.

O projeto do Minc é confuso porque trata de forma igual setores com dinâmicas distintas. Na vida real, complexa e multifacetada, o mundo da música é diferente do mundo do livro, que é diferente do mundo do cinema, que é diferente do mundo das artes plásticas. Os idealizadores do novo projeto de lei, no seu furor regulatório, atropelaram este fato singelo e indiscutível.

O projeto é autoritário porque cria a figura sem precedente da “licença não voluntária”. Esta terminologia opaca quer dizer que, quando entender que há motivo, o governo poderá declarar nulas as disposições do autor sobre sua obra. Mas quem determinaria quando “há motivos”? Não se preocupe, esta medida de última instância ficaria em mãos qualificadas: nada menos do que o presidente da República.

Este é um aspecto inusitado da proposta, pois nem o mais ingênuo dos mortais poderá pensar que o presidente vai tratar desta questão. Na verdade, se aprovada a proposta do Minc, o presidente delegará este poder ao órgão que geralmente trata do tema — o próprio Minc.

A tese de que esta intervenção radical seria justificada pelas restrições que alguns autores determinam “de forma não razoável” para o uso de suas obras, se encaixa no dito popular: pior a emenda do que o soneto. Quebra-se um princípio fundamental para o estímulo à produção intelectual, princípio que vem sendo reforçado em todo o mundo e integra a Constituição brasileira desde 1891, para tratar de um problema que se aplica, se tanto, a um punhado de casos.

A proposta do Minc é retrógrada porque, num mundo no qual a capacidade de pesquisa e inovação é determinante para o progresso das nações, o projeto legaliza a cópia não autorizada e não remunerada, contanto que “para fins educativos”. Sim, é isto mesmo, segundo o projeto, quando for para fins educativos, não vale o direito do autor.

São tantas as consequências nefastas desta proposta que é difícil enumerá-las. A mais grave é o desincentivo à produção intelectual brasileira. Ou será que os redatores do projeto acreditam que autores e pesquisadores vão dedicar anos de trabalho para escrever obras sem perspectiva de recompensa pelo seu labor? Se este dispositivo for implantado, a produção de obras educacionais cairá e escolas e universidades brasileiras terão que, cada vez mais, usar livros produzidos em outros países, nos quais a criação acadêmica, científica e intelectual é incentivada e protegida.

É difícil de acreditar que num país no qual o número de universitários dobrou na última década, mas, como consequência da reprografia ilegal, a publicação de obras técnicas e científicas caiu 40%, um projeto de lei do próprio governo agrave a situação de um setor estratégico que está sendo varrido do mapa pela violação sistemática do direito autoral.

É por isto que a Academia Brasileira de Letras, o Sindicato Nacional dos Editores de Livro e inúmeras outras entidades se posicionam firmemente contra este projeto de lei, descrito pelo Minc como modernizador e democrático, mas que é precisamente o contrário.

Ultimamente o Ministério da Cultura desenvolveu algumas iniciativas de qualidade, como uma política vigorosa na ampliação e capacitação de bibliotecas públicas. Mas a proposta de alteração da Lei do Direito Autoral é um grave equivoco. Esperamos que o novo ministro da Cultura abandone este projeto que levaria a um retrocesso sem precedentes para o país.

1 Comentários:

Michelangelo Viana on 22 dezembro, 2010 disse...

Recentemente (novembro de 2010) o Sr. José Castilho Marques Neto, secretário executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura apresentou alguns dados impactantes sobre o mercado dos livros no Brasil: No Brasil há somente 2.650 livrarias, em 11% das cidades brasileiras apenas. Em alguns estados da região Norte há apenas 3 livrarias no estado inteiro. Na PUCRS, onde trabalho, a média de preço dos livros comprados é de 70 reais.
Por que mostro esses dados? Na minha opinião essa “proposta” para a Lei pretende, mesmo que não diga, resolver essas questões, mas "metendo os pés pelas mãos", ou seja, em vez de criar políticas reguladoras e incentivadoras para a cadeia produtiva e distributiva dos livros (autores, instituições de pesquisa, editoras, livrarias, distribuidoras) e promover a leitura e alavancar o ensino e a pesquisa no país, inspirado nas "bolsas miséria" cria artifícios para tomar e distribuir, no estilo Robin Hood, o patrimônio intelectual gerado a muito custo.
Isso sem comentar o disparate de classificar de forma homogênea a produção científica, artística e cultural.
Venho acompanhando esse projeto de lei há anos: ele vem agregando uma proposta daqui, outra proposta dali, tanto as relacionadas à propriedade intelectual quanto Às relacionadas ao direito autoral, e de tempos em tempos troca de "mãos" no Congresso. Quando o Frank Aguiar (músico que virou deputado e renunciou ao cargo) foi relator do Projeto (como assim?), misturou-se ao Projeto o ECAD (escritório central para a arrecadação e distribuição de direitos ($$) de obras musicais no Brasil): em vez de melhorar, só piorou.
Espero que essa lambança se esclareça o quanto antes, para que o mercado e as necessidades não atropelem o Direito e as leis.

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