quinta-feira, 1 de julho de 2010

Fim do livro? Umberto Eco e Jean-Claude Carrière garantem que não




Autora: Carina Lessa.
Fonte: Jornal do Brasil. Data: 29/06/2010.
Não contem com o fim do livro trata de uma conversa entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, intermediada pelo jornalista Jean-Philippe de Tonnac. O que parece ser, a princípio, uma discussão em torno do fatídico tema sobre o futuro do livro impresso, com a chegada do suporte eletrônico e-book, revela-se um saboroso diálogo sobre a história do livro desde o papiro.
Se para muitos o ebook é festejado e para outros o futuro do livro é cada vez mais motivo de insônia, para Eco e Carrière, ambos os pontos são neutralizados já no segundo dos 15 capítulos. Se carregar livros em um pequeno aparelho portátil e eletrônico protege-os do pesadelo de O nome da rosa – volumes consumidos pelo fogo – também devemos aceitar que não há “nada mais efêmero do que os suportes duráveis”, como afirma Carrière. Ou ainda, segundo Eco, “em todo caso, se a memória visual e sonora do século 20 se apaga durante um blecaute, ou de outra maneira qualquer, sempre nos restará o livro”.
Excesso de consumo
A efemeridade dos suportes duráveis explica-se pelo fato de a cada instante surgirem novos suportes ou aparelhos a exigir um novo tipo de conhecimento para bem utilizá-lo. A ansiedade de produção, indiscutivelmente, vem atender ao excesso de consumo da sociedade contemporânea. Do disquete ao i-Pod, mal temos tempo de assimilar as técnicas de um, surge outro produto que deve ser apreendido com agilidade, antes de a tecnologia dar um novo passo.
Mesmo na moda, para os agora chamados fashionistas, é necessário criar um modelito de dois em dois meses. Em função disso, os autores questionam os limites entre passado e futuro. O presente já não existe. “Estamos sempre buscando nos preparar para o futuro”, diz Eco. Que também reclama do fato de a maioria das teses tratarem de questões contemporâneas: “Recebo uma profusão de teses dedicadas à minha obra. É uma loucura! Mas como fazer uma tese sobre um sujeito que ainda está vivo?”
A sabedoria e elegância das palavras dos bibliófilos sugerem ainda, mais do que um simples problema de suporte para a escrita, uma inquietação diante da atual condição do presente que não se sustenta com a ansiedade pós-moderna de dar conta do futuro. O que na literatura parece, inevitavelmente, mais grave do que construir estudos sobre autores vivos é a publicação constante de trabalhos que tendem a imortalizar escritores que mal lançaram o primeiro romance ou livro de contos. Se não há “nada mais efêmero do que os suportes duráveis”, grande parte dos romances contemporâneos é de autores tão efêmeros quanto a tecnologia que deve atender às necessidades de consumo. Surgem e desaparecem para dar luz a uma nova celebridade.
Erros humanos
De certa forma, a tentativa de dar conta do futuro da literatura – quem ficará? – corre o sério risco de fazer parte das histórias e/ou anedotas mencionadas por Eco e Carrière ao lembrarem da relação carinhosa que cultivam com o elogio da burrice. Claro, com a ressalva bem humorada de Eco, que dedicou uma parte de sua coleção a livros raros sobre os erros humanos, pois respeita o fato de terem sido produzidos na tentativa de se estabelecer uma verdade.
De acordo com Carrière, “Flaubert disse que a burrice é querer concluir. O imbecil pode chegar por si mesmo a soluções peremptórias, definitivas”. Conhecemos, na maior parte da produção de conhecimento, a história da inteligência, mas não devemos negligenciar o que a burrice tem a nos oferecer. Um aspecto curioso de Não contem com o fim do livro é a recorrência da palavra história. Se no universo contemporâneo a palavra de ordem parece ser o futuro e a inovação, aqui a linha mestra perpassa um passado (mesmo do erro) que de maneira nenhuma deve ser negado. A história prevalece e ao presente cabe respeitá-la. “Às vezes é útil relativizar nossas pretensas proezas técnicas”, declara Jean-Claude ao lembrar que os livros de Victor Hugo chegavam mais rapidamente a outros países do que os best- -sellers nos dias de hoje.
O amor aos incunábulos parece ser a fenda possível e insuperável. Colecionadores de obras antigas e raras, os autores elevam o livro a um status que não pode ser alcançado. Se cabe aos leitores avaliar os limites da inovação, este diálogo amoroso – entre dois bibliófilos, grandes nomes da intelectualidade – oferece de graça e sutilmente argumentos perfeitos que percorrem 5 mil anos de história.
Referência:
Eco, Umberto; Carrière, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Editora Record. 272 páginas. R$ 39,90

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