terça-feira, 29 de junho de 2010

Os mortos na web




Autor: Rafael Campos.
Fonte: Correio Braziliense.
Data: 26/06/2010.
As redes sociais não trouxeram apenas maior interatividade entre aqueles que não estão próximos fisicamente. Perfis no Orkut, Facebook, Twitter e afins estão tão íntimos do dia a dia que se tornaram refúgios para o luto trazido pela distância da morte. E, com eles, as formas de lidar com essa dor também se transformaram. Após a morte, os perfis dessas pessoas, bem como os blogs, fotologs e outros instrumentos da web que visam a interação, tornam-se espécies de mausoléus nos quais aqueles que continuam vivos podem externar a saudade e, em alguns casos, protestar contra as injustiças das quais os falecidos foram vítimas.
Não existe uma estimativa sobre quantos perfis de pessoas mortas permanecem na rede. Muitos estão reunidos em comunidades. Várias delas estão no Orkut, que é a rede social com o maior número de brasileiros (26 milhões, de acordo com dados recentes do Ibope). Nessas comunidades e nos perfis dos já que morreram, mensagens de apoio são postadas diariamente.
A Velórios Virtuais, por exemplo, surgiu a partir de um serviço que algumas empresas funerárias oferecem: a transmissão de velórios via webcam para os parentes (e curiosos, é verdade) que não podem comparecer. As cenas são transmitidas pelo site da empresa, mas no Orkut os participantes avisam quando há um velório ocorrendo e podem comentar sobre o momento fúnebre.
Outro exemplo é a Se eu morrer me enterre na PGM, numa referência a Profiles de Gente Morta (PMG), possivelmente a maior comunidade, com mais de 73 mil integrantes. O objetivo está estampado no nome: pesquisar perfis de usuários que já morreram.
Os chamados “rastros virtuais” deixados por esses perfis se tornam um banco de dados, pelo qual conhecidos e desconhecidos dos falecidos podem discutir sobre a morte dos que estão na comunidade e sobre as dificuldades de enfrentá-la.
Para quem acha que só a morbidez pura e simples justifica o ingresso dos participantes, é bom salientar que existe outro lado importante nessa história. “Minha filha foi morta pelo namorado em novembro de 2002, em Paraty (RJ). Seu corpo foi encontrado em abril de 2004 e ele sumiu no mundo. Depois de um tempo, uma pessoa da comunidade conseguiu encontrar o rapaz na Espanha, forneceu o endereço e o telefone. Eu passei para a polícia e ele foi preso lá”, exemplifica a artista plástica Maria José Coppola, 48 anos. Sua filha, Thays Coppola Rupp, sumiu na cidade fluminense e o principal suspeito, Visuambhara Dasa Gutierrez Vargas, foi encontrado por conta do esforço da mãe e com ajuda dos participantes de comunidades como a PGM.
Seja para fazer justiça, prestar homenagens ou satisfazer uma curiosidade mórbida, a rede estabeleceu uma conexão entre morte e vida que vai além da visita ao cemitério. “A internet constitui uma importante ferramenta de informação sobre o processo da morte e do morrer, desde que não desperte apenas a curiosidade existente em todos nós. Se por um lado a morte pode ser banalizada em alguns sites, por outro pode constituir uma via de expressão da dor da perda de alguém querido”, garante a psicóloga Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira, que é doutora na área e coordenadora do Programa de Estudos e Prevenção ao Suicídio e Atendimento a Pacientes com Tentativa de Suicídio (PATS) da Universidade Federal de Goiás (UFGO).
Como deletar contas de falecidos
Não importa quem seja, todos aqueles que se aventuram pelo mundo virtual dependem das estruturas de segurança oferecidas pelos sites para manter sua privacidade. Apesar desse assunto estar sempre em pauta, especialmente pela falta de cuidado que muitos usuários tem dos seus dados, quando da morte de um deles há uma burocracia necessária para que a vida em rede também chegue ao fim.
De acordo com Félix Ximenes, diretor de comunicação e assuntos públicos do Google Brasil, não há dificuldade para as famílias conseguirem a eliminação dos dados, mas o processo que a empresa faz para comprovar a veracidade tem de existir sempre. “Não podemos revelar os critérios que são levados em conta para se confirmar e deletar os dados dos usuários falecidos. Pode parecer brincadeira, mas tem gente que denuncia abuso ou se faz passar por familiar de um usuário morto para tentar apagar perfis de desafetos e inimigos”, garante.
À família, fica a opção de apagar os dados somente. “Os perfis são pessoais e intransferíveis. Apenas as mensagens públicas que aparecem no perfil podem ser visualizadas.” Félix Ximenes explica que se ninguém tomar a iniciativa, o perfil e os dados continuarão acessíveis. “Mas, naturalmente, com a falta de atividade, esse perfil deixa de ser computado como ativo”, conclui. O Google não divulga a quantidade de perfis que são deletados por conta de falecimento, mas assegura que a prática não é frequente.
A Microsoft permite que parentes próximos possam ter acesso ao conteúdo da conta de email (em CD/disquete) do falecido, mediante comprovação de parentesco. Em nota, a empresa afirma que tem uma política focada na privacidade, mas honra os pedidos da família em luto. Caso haja a necessidade e interesse em realizar um pedido, basta enviar um fax para 650-693-7061. Serão requisitadas informações adicionais, que a família precisará fornecer. Confira o que deve ser feito:
* Orkut: o Google exige, para que o perfil seja apagado, o envio de um formulário on-line, disponível na página do Orkut, no qual conste o verdadeiro nome de quem faleceu, o link do perfil e o atestado de óbito digitalizado. Após três dias úteis, a empresa entra em contato para confirmar os dados.
* Facebook: diferentemente do Orkut, que mantém a página intacta, no Facebook é possível tornar o perfil um memorial. Assim, além de não ser mais sugerida como amigos, a pessoa não vai poder ser adicionada. Os amigos continuam livres para visitar o perfil e deixar mensagens. Essa opção é disponível após o preenchimento de um formulário on-line, que precisa do atestado de óbito ou da notícia da morte.
* Twitter: o microblog não permite que as contas sejam mantidas. Após seis meses sem efetuar login, elas são desativadas automaticamente.
* MySpace: também dá a opção de tornar o perfil um memorial. Para isso, a equipe solicita uma cópia do certificado de óbito, que deve ser enviada por e-mail. Não há permissão para editar nada do perfil depois disso.
Quem herdará suas senhas?
Os blogs e páginas das redes sociais que continuam ativos após a morte das pessoas levam a um questionamento: o que fazer com o espólio virtual de quem já morreu? É comum nos perfis de falecidos recados que externam a saudade separados por convites de festas, por exemplo. Como o controle daquele perfil não pode mais ser feito por seus donos, fica a dúvida de como proceder após a morte de parentes. Há sites especializados em testamentos digitais. Neles, entre diversos serviços, o usuário pode cadastrar seus logins e senhas e escolher pessoas da sua confiança que vão receber esses dados após a morte.
Serviços de testamentos digitais
• Slightly Morbid: esse é para quem deseja avisar aos conhecidos sobre o próprio falecimento. O usuário põe no site todos os e-mails de quem deve saber da morte. Alguém de confiança fica responsável pelo serviço, recebendo um certificado que permite o envio das mensagens. O preço varia de acordo com a quantidade de pessoas a serem notificadas, ficando entre US$ 9,95 e 49,95.
• * Legacy Locker: por uma taxa única de US$ 299,99 ou US$ 29,90 por ano, o usuário pode guardar todos os logins e senhas para serem enviados aos familiares após o falecimento. No Legacy Locker há ainda a possibilidade de determinar um beneficiário para cada login/senha. Para conseguir os dados, os beneficiários tem de notificar a empresa sobre o óbito e confirmar suas identidades.
• * YouDeparted ou AssetLock: nesse site, a ideia é tentar ajudar familiares e amigos daquele que faleceu. Com a conta feita, o usuário pode colocar fotos de documentos importantes, cartas de despedida, últimos desejos e todas as informações de onde encontrar esses documentos e também informações sobre senhas, contas e segredos de cofres. O serviço é encriptado, o que garante distância de hackers. Os valores ficam entre US$ 9,95 e 239,95.
• * MyWebWill: nesse serviço, além de repassar as senhas para quem você escolheu em vida, há o envio de mensagens de adeus aos amigos e o encerramento de contas em redes sociais através do site. Nele, não há necessidade de que alguém avise do falecimento: sueco, o MyWebWill cruza informações do registro de óbitos do país com sua base de dados.

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