Fonte: Agência Brasil Que Lê. Data: 14/01/2010.
No comando do maior Conselho de Biblioteconomia do País, Evanda Verri Paulino, a presidente do CRB, que reúne os 8 mil bibliotecários paulistas, defende um novo papel para as bibliotecas e adoção de um modelo híbrido, que integre as unidades municipais, comunitárias e escolares para atender melhor tanto os estudantes como as comunidades em seu entorno. Para ela, que também é professora de Biblioteconomia e Ciências da Informação na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), as bibliotecas devem funcionar cada vez mais como uma espécie de agência educadora e laboratórios de informações.
A atual década tem sido um período de avanços importantes na questão do livro e da leitura no Brasil. Que balanço fazem os bibliotecários sobre esse período?
As iniciativas nas esferas pública e privada são necessárias para estimular a leitura e desenvolver a cidadania no Brasil. Ações importantes têm ocorrido. Entretanto, elas ainda não apresentaram resultados concretos. As diversas pesquisas em Educação ainda reiteram a necessidade de refletirmos sobre os aspectos nos quais ainda estamos falhando. Como bibliotecários e educadores, ajudamos a elaborar os projetos pedagógicos nas escolas e desenvolvemos ações culturais para estimular a leitura e o interesse pela pesquisa e pelo conhecimento. No entanto, nos perguntamos: será que estamos levando em consideração as características e as demandas da comunidade que pretendemos sensibilizar? No mundo globalizado, cada comunidade continua sendo única e especial. E sabemos que a busca pela informação e pelo conhecimento só acontece quando o indivíduo sente necessidade e curiosidade, e está motivado. Nós, bibliotecários, devemos ajudar a despertar e estimular o indivíduo para a leitura, a pesquisa, o saber e o questionamento. Portanto, programas que criam salas de leitura (a maioria sob a responsabilidade de professores readaptados) e se restringem à entrega de livros são insuficientes até mesmo para estimular a leitura no país. A transformação educacional e cultural é gradativa e trabalhosa, envolve um esforço multidisciplinar planejado e integrado, desenvolvido por profissionais preparados e competentes. É importante considerar também que as inovações oriundas da tecnologia da informação têm modificado as relações humanas e os modos de gerar e disseminar conhecimento. Assim, estamos cada vez mais focados em desenvolver competências informacionais, ajudando a preparar os indivíduos para acessar, analisar, filtrar e selecionar informações, para que possam se apropriar de conteúdos de maneira ética e gerar novos conhecimentos. A leitura está presente em todas as etapas desse processo e ajuda a integrar e agilizar o complexo trajeto para buscar e encontrar a informação, essencial para a aprendizagem continuada e para a formação de cidadãos.E o que representa, nesse contexto, o Plano Nacional do Livro e Leitura?
O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), por meio de projetos, programas, atividades e eventos, busca incentivar a leitura, fazendo com que ela se torne parte do cotidiano do brasileiro. Sem dúvida, o PNLL inclui ações importantíssimas para estimular a leitura, como a implantação de novas bibliotecas e a criação de projetos sociais. No entanto, precisamos ajudar estudantes e jovens a se tornarem usuários autônomos da informação, capazes de acessar e selecionar as informações que melhor atendam às suas necessidades e interesses. Alguns podem até discordar alegando que eles nunca foram tão “independentes” face ao acesso fácil à informação. Mas nós que lecionamos sabemos a dificuldade que esses jovens apresentam na hora de pesquisar e estruturar um texto com conteúdo claro e objetivo, e raciocínio inteligível. E a dificuldade que têm na hora de expor e defender uma opinião e se comunicar com clareza e discernimento para serem bem sucedidos e felizes nos âmbitos pessoal e profissional.
A competência informacional ajuda a fortalecer o repertório de conhecimento prévio adquirido também pela leitura e contribui para a aquisição de competências múltiplas, para o aprimoramento da capacidade de ler, escrever e se comunicar, e para utilizar as novas mídias digitais para manter-se atualizado e disponibilizar, compartilhar e colaborar na geração de novos conhecimentos.
Qual é, na sua opinião, o papel dos bibliotecários nesse novo cenário?
Cabe aos bibliotecários sensibilizar seus parceiros, colegas e superiores, seja em organizações ou em instituições, para a necessidade de criar e implantar programas de capacitação informacional sólidos, abrangentes e permanentes. Hoje, os bibliotecários atuam em bibliotecas públicas, escolares e comunitárias, em agências de publicidade, escritórios de advocacia, em editoras, em instituições públicas e privadas, além de organizar a informação disponível na Internet (sites, blogs e redes de relacionamento, entre outros), trabalho o qual chamamos Arquitetura da Informação.
Na era da informação e do conhecimento, a informação é fundamental para a estratégia do negócio e para a tomada de decisão. Por isso, atuamos em organizações das mais diversas naturezas. Assim como em instituições educacionais, nas organizações trabalhamos para difundir, organizar e democratizar a informação. Trabalhamos para a inclusão informacional e o uso competente da informação. Nas bibliotecas escolares, bibliotecários e professores trabalham em parceria para ensinar ferramentas essenciais na atualidade como: tirar conclusões e decisões embasadas em informações advindas de fontes confiáveis, aplicar o conhecimento em situações distintas e gerar novos conhecimentos. A competência informacional tornou-se uma disciplina tão relevante nos dias atuais como a Matemática, a Arte e a História. O Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo está fazendo um levantamento das bibliotecas escolares exemplares da região, por meio do projeto “Biblioteca Vitrine: uma parceria para ser vista”.
Como as bibliotecas municipais e, sobretudo, as escolares, devem atuar nesse contexto?
A biblioteca escolar deve assumir hoje a posição de “agência educadora” e de “laboratório de informações”, podendo oferecer uma ampla gama de recursos e currículo de capacitação informacional para ajudar os alunos a adquirirem as competências necessárias. Em 2007, a American Association of School Librarians lançou os “parâmetros para o aprendiz do século XXI”, terceira edição do livro Information Power que, desde 1988, enfatiza a necessidade de ensinar o pensamento crítico aliado ao uso da informação. Este estudo mudou o paradigma da atuação das bibliotecas escolares nos EUA. Nesse sentido, o Brasil encontra-se pelo menos vinte anos atrasado em sua abordagem. Em São Paulo, assim como em outros Estados, levando-se em conta nossa realidade, de carência de bibliotecas escolares efetivas e crescimento de bibliotecas comunitárias, talvez pudéssemos começar a implantar o conceito de “bibliotecas híbridas”, nas quais as bibliotecas – públicas, escolares e comunitárias – trabalhariam em parceria, desenvolvendo programas de apoio mútuo com foco na classe estudantil e nas comunidades locais. Para conhecer melhor também as iniciativas voluntárias, decidimos que o tema do IX Prêmio Laura Russo 2010, a ser entregue no Dia do Bibliotecário, 12 de março, será o “Empreendedorismo Social: agente de transformação” (mais informações em www.crb8.org.br).
Comentário:
Excelente entrevista da colega Evanda Verri Paulino, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo. Evanda mostra as diversas facetas profissionais do bibliotecário, que deve atuar em diversas frentes. Mostrou também a urgência de investimentos públicos em recursos humanos, notadamente na necessidade de que cada biblioteca possa ser gerenciada por um bibliotecário preparado para os novos tempos.
Murilo Cunha
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
“Bibliotecas estão 20 anos atrasadas”
segunda-feira, janeiro 25, 2010
Publicado por Murilo Cunha
Assunto: biblioteca escolar, biblioteca pública, bibliotecário, Plano Nacional do Livro e Leitura
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