Dez teses sobre a economia do conhecimento
Fonte: IHU Online. Data: 15/02/2009
O texto que segue contém algumas anotações que Franco Carlini (1944-2007), jornalista e ensaísta considerado um dos maiores especialistas italianos em Internet, havia anotado em vista de um livro que queria escrever, em colaboração com Patrizia Feletig, sobre as tendências “produtivas” na Rede. Pode ser lido também como “10 teses sobre a economia do conhecimento”, tema pelo qual Franco se apaixonou desde quando começou a participar da discussão dentro e fora da tela.
O texto foi publicado no jornal Il Manifesto, 20-01-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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1. No século XXI, parece, enfim, realizar-se a sociedade da informação, ou melhor, do conhecimento, mais vezes anunciada desde os anos 60. Isso ocorre por efeito conjunto da comoditização [1] dos bens materiais, da globalização e das tecnologias digitais desenvolvidas nos últimos 30 anos. O conhecimento, de simples instrumento do poder e da economia (ao serviço da inovação) se transforma, ele mesmo, em mercadoria.
2. A propriedade intelectual é um termo relativamente recente que quer transformar em direito universal e eterno, até mesmo natural, algumas formas históricas de proteção e incentivo à criatividade como copyright, patentes, marcas. O objetivo é criar uma escassez artificial, na qual, pela própria natureza do conhecimento, haja, pelo contrário, abundância. Essa estratégia de curta duração é experimentada pelas multinacionais dos saberes, mas corre o risco de frear a inovação técnica e social. Em todo o caso, está gerando contra-tendências e conflitos sadios.
3. Essa substituição do valor pelos bens imateriais é tanto favorecida quanto contestada pela revolução Internet. Ela é filha de tecnologias e regras “abertas” e produziu, sem que ninguém pudesse prever, uma não "market networked economy" (economia de mercado não-interconectada), com práticas e culturas diversas com relação tanto à economia de mercado quanto a de estado. O elemento caracterizador é a cooperação desde o momento da produção do conhecimento.
4. Para muitos, a cooperação é um mistério, até mesmo um erro do ponto de vista do utilitarismo e das versões vulgares do darwinismo. Pelo contrário, não há nada de misterioso, porque ela é o fundamento de todo sistema complexo. Diversos modelos foram propostos para explicar a insurgência e a perpetuação da cooperação nas sociedades humanas.
5. O utilitarismo, durante ao menos dois séculos, surgiu como a explicação dos comportamentos individuais e também como um manifesto programático para a sociedade e a economia, procurando suporte também no darwinismo. Ele apresenta tanto aspectos descritivos (do comportamento individual), quanto filosóficos (sobre a natureza do homem) e também prescritivos-programáticos. Na tentativa de manter um status culturalmente hegemônico a respeito dele, tentou-se, sem muito sucesso, compreender nele também a cooperação e o altruísmo.
6. Em apoio ao utilitarismo, a teoria do “homo oeconomicus” também teve um papel, ou seja, do decisor racional, um modelo cujos limites são evidentes há muito tempo. Para salvá-lo, avançou-se sobre a hipótese da racionalidade limitada, tratando os desvios do modelo como exceções que, porém, não o colocam em discussão. A economia experimental confirma que não se trata de erros. As ciências do cérebro indicam que os circuitos do pensamento lógicos e das emoções estão estritamente associados. A dicotomia entre os dois aspectos já é insustentável e deveria ser definitivamente abandonada.
7. Ainda mais inexplicáveis ao individualismo utilitarista são os comportamentos de altruísmo extremo e as práticas do dom. Longe de serem resíduos do passado ou confinados ao âmbito familiar, delineiam uma economia (se assim se quer chamá-la) cujos outputs são bens relacionais. O altruísmo da espécie humana é, verdadeiramente, como demonstra a literatura recente, um mistério que deve ser explicado, uma exceção com relação à natureza humana (e das sociedades humanas) que seriam intrinsecamente egoístas e utilitaristas? Nessa visão, o altruísmo apresenta-se como um remédio voluntarista, para a correção do mal intrínseco, um valor sobreposto à natureza egoísta, ao pecado original. Ou uma correção das falências do mercado.
8. O dom é insolente. O dom é dissipação. O dom é subversivo. O dom demonstra que o homem possui faculdades superiores à racionalidade. Porque, como defendia Blaise Pascal, o coração tem as suas razões que a razão desconhece. E justamente como todo transgressor, o dom é fascinante, porque cria tumulto, provoca rupturas, alimenta contestação.
9. Por sua vez, os bens relacionais estão na base das teorias da felicidade. Campo de pesquisa relativamente recente, assume os passos de um outro paradoxo que tal não é: a riqueza é, em certa medida, desprendida da felicidade, seja em escala individual ou coletiva.
10. Aqui, o círculo se fecha. As relações, o diálogo, as conversas, até mesmo a fofoca, são o fluido que anima a rede Internet. Geralmente, são produzidas peer to peer, compartilhadas com estranhos, e geram conhecimento global, que, por existir e crescer, deve se mover em círculo, em rede, como as inúmeras conchas das [Ilhas] Trobriand. O conhecimento como dom, não divino, mas da humanidade a si mesma. Alguns fatos e tendência permitem acreditar nisso.
Notas:
1. Por comoditização, entende-se a dificuldade cada vez maior que um produto tem para se diferenciar de outro, tanto do ponto de vista técnico quanto utilitário. Os produtos estão cada vez mais parecidos, similares, e a profusão de marcas e fabricantes amplia-se sempre mais.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
Economia do conhecimento
terça-feira, fevereiro 17, 2009
Publicado por Murilo Cunha
Assunto: economia da informação, economia do conhecimento
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