Reforma não ameaça identidade da língua
Autor: Godofredo de Oliveira Neto
Data: 30/12/2008
Fonte: Folha de São Paulo
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um documento assinado em 1990 por representantes de vários países que, tendo o português como língua oficial, decidiram adotar uma ortografia comum.
No Brasil, o Acordo foi aprovado no Congresso Nacional em 1995 e o decreto presidencial foi assinado no dia 29 de setembro de 2008 na Academia Brasileira de Letras. Brasil e Portugal vêm buscando desde 1931 um Acordo que uniformize a ortografia da língua portuguesa. Chegou-se a uma boa solução em 1943, mas logo depois, em 1945, nova mudança foi feita, especialmente a pedido de Portugal.
O Brasil não implementou esta mudança, embora tivesse assinado o novo Acordo, que -diga-se de passagem- já previa a eliminação do trema, do circunflexo diferencial e do circunflexo sobre o "o" e o "e" de perdôo, enjôo, lêem, dêem (o trema já não é empregado em Portugal desde 1945). O que se acaba de fazer mediante o Acordo de 1990, portanto, é uma mudança preconizada há muito tempo.
No Brasil houve ainda a reforma de 1971 que, por exemplo, eliminou o acento diferencial de "acerto" (substantivo) e "acerto" (verbo). Com o Acordo, 0,5% das palavras sofrerão alteração no Brasil; em Portugal por volta de 1,5%. Além da eliminação do circunflexo em palavras como "vôo" e " lêem" e do acento diferenciador de formas verbais como "péla" e "pára" e as formas preposicionais "pela" e "para", são abolidas as chamadas consoantes mudas de emprego comum em Portugal. Assim, "adoptar" e "direcção" passam a "adotar" e "direção", como escritas no Brasil. O emprego do hífen, já visto como o caso menos pacífico do Acordo, será aclarado pelas instituições citadas no texto internacional, especificamente a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa .
A ABL, com a responsabilidade e a sapiência por todos sobejamente conhecidas, a exemplo da sua irmã portuguesa, lançará muito em breve o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", obra de referência essencial para a fixação oficial das alterações previstas pelo acordo. Nesse particular, os ministros da Educação e da Cultura dos oito países da CPLP, reunidos em Lisboa em 14 de novembro de 2008, decidiram apoiar a constituição, com a maior brevidade, de uma comissão, composta por representantes dos Estados Membros e do IILP, para a elaboração de um "Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa", que inclua igualmente um léxico técnico-científico comum da língua. A unificação, relembre-se, é estritamente gráfica, e não tem qualquer pretensão de promover uma homogeneização do uso da língua no dia-a-dia de todos quantos falam português. No próprio espaço brasileiro, nordestinos, mineiros ou gaúchos aprenderam a escrever pela mesma ortografia, mas nem por isso deixaram de falar o português característico das respectivas regiões, com notáveis diferenças de pronúncia e de vocabulário. A língua se identifica por suas características fonéticas, sintáticas, morfológicas e de vocabulário. A ortografia é tão-somente uma convenção, que os países podem adotar sem se ver ameaçados em sua identidade.
A importância da nova reforma ortográfica deve ser apreciada em suas dimensões política, cultural e comercial. O português é uma das línguas mais faladas no mundo, empregada como meio cotidiano de expressão por quase 240 milhões de pessoas. Hoje existem duas ortografias oficiais do português: a adotada no Brasil e a adotada em Portugal e em países da África (Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau) e da Ásia (Timor-Leste). Lembremo-nos que o espanhol tem uma ortografia comum em 21 países. A ortografia comum dispensará que muitos documentos tenham duas versões, uma na ortografia brasileira e outra na portuguesa. Assim, o Acordo faz parte do projeto de consolidação do português com status de língua oficial perante organismos internacionais.
A ortografia comum também contribuirá para a circulação mais livre de obras impressas, especialmente os livros paradidáticos (histórias infantis e infanto-juvenis), em todos os países lusófonos. E o livro é um suporte fundamental para a erradicação do analfabetismo. Espera-se, outrossim, que com a eliminação da barreira ortográfica que dificultava a movimentação das obras entre os países da CPLP, notadamente os didáticos e paradidáticos, a legislação sobre reserva de mercado também sofra alterações. A utilização comum da internet, do audiovisual e do ensino a distância também sai fortalecida. Abre-se, pois, a possibilidade de maior divulgação das literaturas e das manifestações culturais produzidas em língua portuguesa não só no âmbito da CPLP mas também, com a maior dimensão adquirida, no mundo como um todo. E, por óbvio, além da área cultural, ganham força a diplomacia e o comércio. Na área didática, incluindo concursos públicos e vestibulares, as duas normas ortográficas coexistirão oficialmente no Brasil até dezembro de 2012.
GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, escritor e professor da UFRJ, é presidente da Comissão de Língua Portuguesa do MEC e do Conselho Científico do Instituto Internacional de Língua Portuguesa da CPLP.
Comentário:
Desde o primeiro dia de 2009 o Acordo Ortográfico passou a ser oficialmente utilizado no Brasil. Os principais veiculos de comunicação de massa já estão adotando as novas regras e muita notícia tem sido divulgada sobre o tema. Existem pessoas que defendem o Acordo com afinco; outras, nem tanto, achando que é bobagem! É uma polêmica interessante.
Mas, e para nós profissionais da informação, quais serão os impactos dessas novas regras ortográficas? De cara, nota-se que as obras de referência (dicionários e enciclopédias) e principalmente os livros escolares terão que ser trocados! As bibliotecas -- instituições que, notoriamente, possuem minguados orçamentos -- sofrerão enormes impactos negativos nas atividades relacionadas com a aquisição bibliográfica. O dinheiro, sempre reduzido, ficará com menor poder de compra tendo em vista a urgência de se adequar à essa nova necessidade.
Assim, urge que as autoridades, aumentem os orçamentos das bibliotecas -- especialmente as escolares, públicas e universitárias -- para que possam enfrentar esse verdadeiro "tsunami ortográfico"!
Murilo Cunha
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Acordo ou desacordo ortográfico?
segunda-feira, janeiro 05, 2009
Publicado por Murilo Cunha
Assunto: acordo ortográfico, biblioteca escolar, biblioteca pública, biblioteca universitária
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