quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A era do tecnoestresse




Fonte: Correio Braziliense, Brasília. Suplemento de Informática
Data: 27/11/2007

Ele vive cercado por uma parafernália eletrônica. Um computador para baixar desenhos japoneses e games, laptop para conversar com os amigos no MSN e bisbilhotar o Orkut, além de aparelho de som, televisão, guitarra elétrica, celular, iPod. Esses são os companheiros inseparáveis, mas também responsáveis por momentos de angústia do funcionário público Cássio Ferreira Magalhães, 28 anos.
Há algumas semanas, quando faltavam 5% para terminar o download de um programa, Cássio ficou desesperado com a possibilidade da conexão da internet cair e decidiu ficar acordado até o fim do processo. 'A ansiedade e o desespero me consomem diariamente. Vivo cansado e com dores de cabeça. Mas não tem jeito, não abro mão da tecnologia. Eu preciso estar atualizado', diz ele. 'Cheguei ao ponto de desligar o celular para ninguém me achar', revela a tática usada para afastar os amigos.
Ainda não é possível precisar ao certo quantos eles são, mas em uma sociedade onde a demanda por informação é crescente, o número de pessoas com estresse tecnológico, assim como Cássio, aumenta na mesma velocidade em que produtos tecnológicos são despejados no mercado. Um dos problemas identificados é a tendência dos aparelhos eletrônicos ficarem cada vez mais compactos e integrarem várias funções simultâneas: checar e-mail, acessar a web, telefonar. A exposição massiva e constante à informação em tempo real exige enorme disciplina por parte de quem os utiliza. Do contrário, as seqüelas podem ser graves.
'Com a internet, por exemplo, as pessoas não têm noção do total de informação disponível. Por isso, começam a usar os recursos tecnológicos sem ter um foco e têm dificuldade de limitar e controlar o uso da tecnologia. Algumas precisam tomar remédio controlado tamanha ansiedade', ressalta a professora e psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Suely Sales Guimarães. Segundo uma pesquisa realizada pela Internacional Stress Management Association (Isma-BR), que ouviu 1,2 mil profissionais entre 25 e 55 anos, de Porto Alegre e São Paulo, 60% dos entrevistados apresentaram sintomas de um tecnoestressado.
Desconfortos como dor de cabeça, cansaço crônico, falta de apetite sexual, insônia e ansiedade estão entre as conseqüências apontadas no levantamento feito pela Isma. Dos entrevistados, 83% disseram sofrer de ansiedade, 63% reclamaram de cansaço crônico (constante), 22% indicaram falta de apetite sexual e somente 18% conseguiram reduzir o uso da tecnologia. 'Trata-se de um fenômeno mundial e bastante preocupante, já que a maioria das pessoas não consegue relacionar os sintomas ao uso da tecnologia por falta de conhecimento', alerta Ana Rossi.
O empresário Luis Benebez, 45 anos, só percebeu os malefícios causados pelo uso do celular e do notebook quando afetou o relacionamento com a família. 'Estava sempre cansado e nervoso, mas achava que era estresse do dia-a-dia. Depois do tratamento, descobri que a tecnologia criava uma ansiedade diária de informação e eu acabava brigando com a minha ex-mulher e meu filho', conta. Após um ano de tratamento com psicólogo, Luis agora desliga o celular antes de dormir e usa o notebook somente no horário de expediente. 'Consegui organizar meu tempo e, hoje, fico mais tempo com a família, faço esportes e aumentei minha produtividade no trabalho', diz.
Ao pensar que viver longe da tecnologia seria a única a forma de tratamento, o comerciante Carlos de Andrade*, 32 anos, relutava em procurar ajuda. 'Não podia ficar sem navegar um dia. Quando a internet caía, eu suava frio. Mas também não queria perder minha esposa', relembra. Prestes a pedir a separação, a esposa de Carlos, Joana de Andrade*, 30 anos, descobriu que, ironicamente, poderia usar o instrumento de vício do marido a seu favor e entrou em contato com a Clínica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Lá os viciados em internet podem ser tratados por e-mail, sem se identificar.
'O atendimento eletrônico não exclui o atendimento pessoal. A finalidade é sensibilizar e orientar o paciente a buscar uma psicoterapia', explica a coordenadora do projeto, Rosa Sarah. Os casos variam de acordo com a época, mas a maior parte tem relação com traições online, jogos digitais e, claro, o excesso de tempo que as pessoas passam na rede. 'Quando há preocupação com o tempo que alguém fica conectado, dificilmente é o próprio doente, mas alguém próximo que entra em contato conosco', conta Rosa. 'Não há um padrão de ajuda. Cada caso reportado é avaliado de forma individual, e recebe um tratamento diferenciado'.
O grupo trabalha com assuntos ligados à tecnologia desde 1995. Para Joana, o auxílio eletrônico foi fundamental para tratar o marido e salvar o casamento. 'Depois da orientação online, ele finalmente procurou um psiquiatra. Hoje, ele tem consciência de que não é preciso abandonar a tecnologia e, sim, aprender a conviver com ela', diz Joana.
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte

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