terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Furtos e danos em bibliotecas brasileiras




Prateleiras desprotegidas
Fonte: O Globo, Rio de Janeiro, Seção Prosa & Verso, p. 1 - 13/1 (André Miranda)



Em todo o país, as bibliotecas enfrentam problemas com furtos e danos a livros, e debatem maneiras de conscientizar os leitores Como se não bastasse a dificuldade de acesso à cultura no Brasil, o ambiente mais democrático para se obter conhecimento está abandonado. Apenas 5% das cinco mil bibliotecas públicas (federais, estaduais, municipais e comunitárias) do país têm algum sistema de segurança. Já entre as duas mil universitárias, a segurança é mais comum, mas, mesmo assim, cerca de 8% do acervo são perdidos anualmente por furtos ou desgaste.


Para os bibliotecários, o problema persiste pela falta de verbas para equipamentos e contratação de pessoal e pela falta de cuidado dos usuários. Assim, além do sumiço das obras — que, na maioria dos casos, só é descoberto semanas, meses ou até anos depois, quando outro usuário procura um exemplar que até aquele momento não se sabia estar desaparecido — as bibliotecas convivem com a depredação constante. De leitores que sublinham a caneta trechos inteiros a aqueles que simplesmente arrancam páginas para levar para casa, há de tudo num universo em que prevalece o desrespeito ao livro. As bibliotecas, por sua vez, fazem campanhas anuais de conscientização, mas nem sempre são bem-sucedidas.



Quando o livro se torna um caso de polícia



Bibliotecários de instituições públicas e universitárias pedem verbas para aumento de segurança e para preservação
As razões para a depredação e o furto de livros não estão ligadas a classes sociais nem variam conforme os costumes de diferentes regiões do país. Assim como a biblioteca pública, o desrespeito, garantem os bibliotecários, é democrático. Pobres e ricos, jovens e velhos, universitários e estudantes do ensino médio, moradores dos centros urbanos e moradores de zonas rurais — as obras públicas sofrem com o mau uso por parte de qualquer tipo de leitor.



Sistemas de segurança como câmeras de vídeo, portais magnéticos na entrada das bibliotecas ou até a contratação de mais vigilantes são formas de diminuir os furtos. Mas, para isso, é necessário haver mais verbas, como lembra Célia Regina Domingues, coordenadora de acervo do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP). Ela explica que existem cerca de cinco mil bibliotecas públicas no Brasil (sem contabilizar universitárias e escolares) e que uma minoria conta com segurança.



— Menos de 5% das bibliotecas públicas brasileiras têm algum tipo de segurança. São equipamentos que demandam verbas, e somente algumas instituições dos grandes centros conseguem instalá-los. Na grande maioria dos casos, depende-se da atenção dos bibliotecários para salvaguardar as obras. Estamos cientes dos furtos e damos treinamento às equipes para tentar evitar o problema — explica Célia.
No Estado do Rio, existem 157 bibliotecas públicas, segundo a bibliotecária Ana Ligia Medeiros, diretora-geral das bibliotecas estaduais até o fim de 2006 — com a mudança de governo, o cargo permanecia vago até esta semana. O estado, ainda de acordo com Ana Ligia, é um dos poucos que dispõem de ao menos uma biblioteca por município.



— Furtos sempre vão existir, e fazemos o possível para minimizá-los, mas não acho que as bibliotecas do estado estejam desprotegidas. Quando pegamos alguém, não temos pena e levamos logo para a delegacia — afirma Ana Ligia.



Ar-condicionado quebrado aumenta ocorrências
Há casos, porém, em que nem mesmo os sistemas de segurança são suficientes para conter a “criatividade” criminosa. Anne Marie Paes de Carvalho, chefe da Biblioteca Central da Universidade Federal Fluminense, revela que um defeito no ar-condicionado pode ter aumentado o número de furtos em 2006.



— Há dois anos, instalamos um alarme na porta, com barra magnética, e os furtos haviam diminuído. Mas, em 2006, nosso ar-condicionado quebrou, e fomos obrigados a deixar a janela aberta. E uma das formas mais usuais de furto é a de pessoas que jogam os livros pela janela para burlar o alarme na saída. O último ano pode ter sido catastrófico para nosso acervo — lamenta.



As bibliotecas universitárias são exatamente as que mais sofrem com a depredação e os furtos, pela grande quantidade de usuários. A Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU) tem cerca de 200 filiadas, mas estima que existam mais de duas mil no país. Apesar de não haver um levantamento, o panorama é semelhante ao restante das bibliotecas públicas, e apenas as maiores, dos centros urbanos, têm sistemas de segurança.



Na Uerj, por exemplo, livros que pertenciam ao acervo da instituição foram encontrados num sebo do Centro há quatro anos. A polícia foi chamada e os livros foram devolvidos, mas se teme que situações como essa sejam recorrentes.
Sigrid Karin Weiss Dutra, presidente da CBBU e diretora do Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra, ainda, que nem mesmo todas as federais possuem segurança. Segundo ela, uma forma de obter mais verbas é através de projetos de captação de recursos.



— Editais oferecem verbas para proteção de acervos e temos cursos para capacitar e incentivar os gestores a se inscreverem — explica Sigrid. — Temos muita dificuldade em conhecer a quantidade real de publicações que desaparecem das bibliotecas, porque nem todas as instituições fazem inventários. Na UFSC, de 8% a 10% de publicações são perdidas anualmente pelos furtos ou pelo desgaste que os livros vão sofrendo com o tempo e o mau uso. No Brasil, podemos dizer que essa taxa esteja em torno de 8%.
A presidente da CBBU destaca que as bibliotecas fazem campanhas de conscientização constantemente, mas acredita que cada leitor poderia, também, fazer sua parte.



— A depredação é uma questão cultural. É necessário educar as pessoas. Coisas simples, como não comer perto dos livros, não sublinhar, não pôr clipes nas páginas ou ter cuidado ao abri-los nas máquinas de xerox podem ser feitas — diz Sigrid.
A conservação dos livros é uma preocupação também para a UFRJ. No ano passado, a universidade conseguiu R$180 mil de verbas com o BNDES para investimentos em segurança e preservação. Agora, a UFRJ concorre novamente com um projeto no banco, dessa vez pedindo R$157 mil.



— Os furtos podem ser resolvidos com investimentos em segurança. Porém, para mim, o maior problema é com a depredação. É necessário desenvolver o amor pelo livro, o que não é fácil. Fazemos campanhas, mas nossos usuários mudam a cada ano. Assim que sai um aluno, já atingido pela campanha do ano anterior, entra outro e o trabalho deve recomeçar. A conscientização é muito difícil — conta Paula Maria Abrantes Cotta de Mello, coordenadora do Sistema de Bibliotecas e Informação da UFRJ. — As pessoas precisam ter consciência de que se trata de uma obra pública. Existem todos os tipos de furtos. Tem até aluno que chega ao cúmulo de esconder um livro de exemplar único dentro da própria biblioteca, fora de sua prateleira original, para que ele possa estudar na véspera de uma prova e não correr o risco de o livro estar sendo usado por outra pessoa.
Além dos problemas com furtos e depredação, Paula também faz coro por pedidos de mais verbas para compra de livros. Em 2006, as bibliotecas da UFRJ apontaram uma demanda de cerca de 16 mil exemplares, mas apenas 5,5 mil foram comprados.



— Desde 1998, a UFRJ não recebia verba do governo federal específica para livros. Tirava-se dinheiro de outras áreas, e as bibliotecas não eram prioridade. Em 2004, os repasses voltaram. No ano passado recebemos R$600 mil e pudemos comprar quatro mil títulos — comemora ela.



No estado, livro é tratado como computador


Já na Uerj, as verbas anuais não são garantidas. De acordo com Rosangela Aguiar Salles, diretora da Rede de Bibliotecas da universidade, o último grande repasse para compra de livros veio em 1998, do governo federal. Hoje, há verba para infra-estrutura, mas nada específico para o acervo.



— Com a entrada dos cotistas na Uerj, deveria ter havido mais investimentos nas bibliotecas para melhor recebermos os alunos. Mas apenas esporadicamente há pequenas verbas. Muitos professores incluem nos orçamentos de projetos a compra de livros para o acervo — diz ela.



Outro problema é que o livro é considerado no estado um bem permanente e deve ser adquirido da mesma forma que computadores ou carteiras. Em âmbito federal, o livro também é considerado bem permanente, mas uma lei permite que ele seja comprado como bem de consumo, o que facilita o processo.
— Temos que fazer a cotação em três livrarias e, caso a vencedora da licitação não tenha um exemplar, ficamos sem esse exemplar. Além disso, quando alguma obra some, o Tribunal de Contas pede que se abra uma sindicância. Tudo isso aumenta a burocracia — lamenta Rosangela. (André Miranda)

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